29 septiembre 2008

Há muitas pessoas que não gostam de pés. Dizem que mete nojo.
Nunca percebi muito bem esse conceito. Eu gosto de pés. Rio-me com as unhas encravadas e os pelos tipo hobbit no dedo grande. Opino sobre a cor do verniz e o anel ao lado do mindinho. É uma existência feliz, essa dos pés.
Há aqueles pés que são mais andantes e os que são mais parados. Um dia disseram-me que os meus dedos dos pés pareciam porquinhos. Isso faz deles andantes?
Pé andante não é um pé que anda, como é obvio. Pé andante é pé que não sabe ficar quieto, que quer sempre ir um passo a frente. Não é pé rápido, é pé com formigas nas plantas que dão cócegas e nos fazem correr. Não há exigências para pés andantes, pode pisar errado e ter andar um quarto para as três, não faz mal. O único requisito é ser inquieto. Pé andante é pé inquieto.
Dos porquinhos passei a ter “ritmo” no pé. Não que isso signifique dançar (neste momento tenho todos os meus amigos/colegas/conhecidos a rirem-se – obvio que não poderia significar que ritmo de dança, quem me conhece saberia). Explicou-me, então.
Pé com ritmo é pé que quer sempre ir mais longe, que quando está parado pensa para onde irá a seguir. Pé com ritmo é pé pensante. Quando o meu pai acaba de comer pergunta: o que vai ser o jantar? Isso é estômago com ritmo, se me faço entender.
E, para quem não percebeu, porque gramática de pé não é das mais simples, isto é um grito de socorro de um pé porquinho andante e com ritmo que procura pé interessante e companheiro que partilhe passeio na praia de pé enterrado na areia. Quem sabe o passeio acabe num entrelaçar de pés. Mas isso, só o futuro dirá. E, sim, pé também tem futuro.

26 septiembre 2008

Ontem à noite

Estávamos juntos. Eu corria numa vida apressada, de passo acelerado. Tu mergulhavas nos sonhos da ficção em tela grande. A conversa era um entusiasmo histérico de novidades e mundos novos.
Estávamos juntos.
A vida corria separada em tempo record, as experiências faziam-nos diferentes, mais perto daquilo que sempre quisermos ser. A distância era um desafio aliciante, de fuga ao rotineiro e ao velho andar da carruagem.
O guião era bom, os actores nem tanto. Éramos nós a brincar aos filmes de amor no sonho de ontem a noite desta cidade de cristal.

25 septiembre 2008

Fora dos trilhos

Havia aquela sensação do adquirido, a rotina do mesmo rosto, as conversas do-que-se-fez-hoje. Um beijinho ao acaso e um olhar de admiração. Era a confusão de dias passados na tensão da convivência e do mundo que, estranhamente, agora corria alinhado nos trilhos.
Mas foi um futuro decidido ao acaso que mudou o rumo da história, descarrilou a maquineta, pôs os ponteiros ao contrário. Não que isso resolvesse alguma coisa, não. A sabedoria alheia conta como tudo agora poderia piorar, partir, ter um acidente fatal. No entanto, de volta aos ecrãs digitais e aos pensamentos não partilhados por SMS monossilábicos, sinto-me maior.
E com a autoridade do meu novo estatuto, olho para trás e penso em tudo o que teria feito diferente. Quem não teria?

23 septiembre 2008

lentamente só

Aqui os dias passam com um andar devagar e preguiçoso. Vou observando as pessoas, imaginando as suas vidas, metendo-me, inconscientemente, nas suas conversas. Acho que esse namorado não te merece, que devias comprar a camisola azul, que os teus pais têm razão nessa parte da história. São desconhecidos de língua estranha, com quem partilho bancos de jardim, mesas de café, cadeiras de cinema. E em cada coscuvilhice uma palavra nova, uma expressão, uma correcta entoação da voz. E assim se vão passando os dias, l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Como quem não tem pressa em aprender, quem se deixa absorver por uma nova cidade.
Ás vezes sinto falta de um amigo, uma conversa no café, uma companhia para o cinema das oito da noite. Outras vezes não. Vou passeando comigo mesma em horas infinitas de caminhadas ao mar. Vou conversando comigo todas aquelas conversas que ainda não tinha encontrado tempo para ter. Vou lendo o que pensam os outros e moldando o meu pensamento.
E aos poucos vou me conhecendo. O que às vezes é bom. Outras vezes não.

22 septiembre 2008

Despedida e Peras

Desta vez não houve dramas, nem lágrimas, nem letras de músicas ditas ao acaso. Houve a serenidade de quem sabe aguardar o futuro. Agora aqui estou eu nesta cidade tão estranha e que quero tanto que venha a ser minha. Sinto-me um homenzinho verde a passear por estas ruas de sotaque espanhol, uma menina indefesa que quer a sua mãe, ou quem sabe, só alguém a quem ligar a dizer “hei, dói-me o joelho”.
E não houve lágrimas, nem despedidas. Como se nunca me fosse embora, como se não fosse por muito tempo. Nada de radical iria acontecer. Um beijinho, um olhar para trás.
Não houve jantar formal, noite passada às claras, maquilhagem e presentes. “Se choras dou-te uma pêra”. Por agora apetecia-me ter dramatizado, levado peras e peras de recordações que ficariam marcadas na pele. Por agora queria ter tido consciência do ridículo das discussões e aproveitado esse tempo para declarações debaixo do lençol.
Comer peras debaixo do lençol. É isso que me apetece agora.

03 septiembre 2008

O homem grisalho

Há um homem cinzento a espreitar os meus dias. Vejo-lhe sempre primeiro os pés.
Acho que devia mandar polir aquelas botas da tropa. São pretas, cano alto, atacador daqueles que é preciso colocar o despertador para cinco minutos mais cedo só para poder calçar os sapatos em condições. Mas ele não faz isso. Tem sempre as botas mal abotoadas. Que desleixe!
Tento voltar ao trabalho e lá está ele, do lado esquerdo do meu campo de visão.
Incomoda-me que salte as casas do atacador. Qualquer dia aquilo sai-lhe dos pés. Quero sempre avisar-lhe. Espremo os olhos e tento, mentalmente, ajeitar-lhe os sapatos. Nada feito.
- Quanto caracteres tenho para a noticia da fusão das agências?
Ele tem uns jeans escuros esbatidos que lhe estão largos na cintura. Engraçado. Ainda não tinha reparado nisso. Acho que têm ficado mais largos a cada dia que passa. Curioso.
Mas se há uma coisa que está sempre impecável é a sua camisa, preta, claro.
- Achas que não me consegues mais espaço? Consegui um exclusivo com o CEO.
Impecável se não contarmos com a caspa que decora os ombros e o terceiro botão a contar de baixo que está meio partido (mas abotoa mesmo assim).
É bonita a sua camisa. Outro dia ocorreu-me que aquele brilho que ela ostenta possa ser sebo e não cetim. Tentei afastar a ideia.
- Talvez se mudares a notícia para a página 16 já dê, não achas?
É claro que os seus cabelos compridos e mal lavados não ajudam à sua caspa constante. Talvez devesse mudar de shampoo, sei lá. Notei que estão a aparecer-lhe uns brancos. Mas eu até gostei, dá-lhe um certo ar de sabedoria grisalha.
Tem estado cansado, ultimamente. Acho que não anda a comer como deve ser.
- Quando é que te vais embora?
- Dia 16.
- O tempo está a acabar.
Parece que já me afeiçoei a ele. Agora nem tenho tido muita vontade de o mandar embora. Talvez eu seja a única a achar isto, mas aquele grisalho fica-lhe mesmo bem. Se pelo menos ele andasse a comer como deve ser...

02 septiembre 2008

Cem euros

Escrevi as palavras no google, meio a medo, porque só o acto de soletra-las torna tudo mais oficial. Carreguei um enter tremido.
Lá no fundo rezei para que não aparecesse nada, que fosse mais uma pesquisa mal feita. Assim desistiria logo dessa ideia maluca. Nós? Claro que não! Que ideia mais sem sentido!
Mas a internet é um mundo de segundos e apareceu logo ali, no primeiro link, a resposta para a minha pergunta internauta.
Cem. Cem euros são dois dias de interrail, quatro noites num bom hostel, um mês de comida no supermercado. É quanto custa uma semana de curso intensivo de espanhol, é metade do aluguer da casa. Cem euros compram um bom par de calças, umas botas de couro e uns tenis all-star, ultimo grito da moda. Fiquei sem saber se era muito ou pouco.
Mas o acto de pesquisa estava feito. Um primeiro passo tinha sido dado e o futuro espreitava-nos com olhos de criança em véspera de Natal.
Calma, o Pai Natal (ou seriam os Reis Magos?) já está quase a chegar.