26 diciembre 2006

cusco

Procuro palavras de amor.
É difícil encontrar palavras que sorriam e que tenham caracóis. É muito complicado explicar às palavras que têm de ser queridas e carinhosas, que têm de te tratar bem e aconchegar-te à noite, antes de dormir.
Foi problemático subornar o telemóvel para que te desse, a cada noite, um bocadinho de mim. Praticamente impossível entreter os teus fios de cabelo, entrar na tua cabeça, conversar com o teu cérebro e explicar-lhe que há uma bolha telepática que nos liga gratuitamente por palavras silenciosas.
Foi um caso sério descobrir uma palavra perfeita, uma que dissesse (sem gritar nem fazer escândalo) que tenho saudades, que sinto falta, que estou feliz, que quero mais, que soube a pouco e que és verde às bolinhas amarelas.
Encontrei-a numa noite mal dormida de pijama colorido, em quarto proibido e musica baixinha. Tinham-na deixado por baixo da almofada (que vinha dentro da mochila escondida e mentirosa) e quando a vi, as borboletas voaram no meu estômago, saíram pela boca, dispersaram-se pelo quarto semi-iluminado e sussurram baixinho: “estas a fazer a coisa certa”.A palavra tu sabes, o sentimento também conheces.
Não sejas cusco

13 diciembre 2006

Van Musschenbroekenstraat

Com duas (duvidosas) horas de sono e malas superlotadas de casacos, luvas e expectativas, encontraram-se naquele aeroporto envidraçado os dois amigos de nome de girafa.
O autocarro que tardava e apressava-se, a mala que teimava em pesar, o museu que anunciava fechar, o comboio que nos falava em estrangeiro. Todas as condicionantes necessárias estavam reunidas para o início de uma história que seria, no mínimo, polémica.
Adicionado mais um amigo ao grupo, e introduzidos os crepes de Nutella, viagens de comboio, narizes vermelhos, colchões de ar e simulações fotográficas, tornaram-se um trio inseparável de conversas sonolentas, bolos com sementes, gargalhadas intermináveis e uma cumplicidade que irritava.
A chuva não era um problema, nem o café de 2,50, nem o inglês enferrujado, nem o horrível gosto da cerveja. As conversas desenvolviam-se entre línguas e más-línguas, fofocas e coscuvilhices, judicios de valor (não) precipitados e historias, muitas histórias. O Ocean 12, qual criança mimada, fez birra e quis entrar na nossa história. Entranhou-se na nossa música de parabéns, na nossa sessão de cabeleireiro, nas aulas de salsa e na experiência de pauzinhos com o yam-yam.
Mas o que seria desta aventura sem o milagre do pão e os encantos das batatas fritas; sem os chupas verdes e os cobertores que se multiplicavam no quarto? O que seria da nossa história sem tartes de maçã, panquecas aquáticas, pizas com pimentos saudaveis e guerras de bolas coloridas?
Eu não sei mas ouvi dizer, que a van musschenbroekenstraat não vou tão cedo esquecer.

12 diciembre 2006

bilhete não picado

Chegaste assim, como quem não quer a coisa, com a tua camisola laranja e sentido de orientação apurado. Vieste cheio de beijinhos e presentes, e pintado pela luz azul, no escuro do autocarro, começaste a falar.
Falas palavras que me fazem sorrir, corar, mexer, inquietar. Contas histórias e comes hambúrgueres, gostas do sol, da montanha, da chuva e da praia.
Invadiste a minha casa e encheste-a de sorrisos e línguas estranhas. Viste beleza no gueto e no meu nariz sempre vermelho. Seguraste-me o guarda-chuva e aprovaste as minhas mudanças.
Como és bonito por baixo das luzes de natal e com aquele teu gorro novo comprado numa loja calorenta. Como é bom saber que cada rua tem o teu cheiro e cada pessoa conhece o teu sorriso.
Um dia foste só meu. Agora fugiste.
E…não picaste o bilhete. Obrigada.

11 diciembre 2006

As minhocas espreguiçam

O batimento cardíaco acelerava sempre que a porta se abria. Não, não era ele.
O avião estava atrasado e chovia muito lá fora. O aeroporto vazio fazia com que o tempo não passasse. Maldito relógio.
Talvez seja melhor sentar-me. Não, se ficar de pé vejo-o mais depressa. Não posso perder nem um segundo.
Deveria ir a casa de banho para ver se o meu cabelo está arranjado. Impossível. Ele pode chegar a qualquer momento.
Devo beija-lo ou dar-lhe um abraço?
O senhor ao lado está a olhar para mim. Pareço nervosa, tenho que disfarçar melhor.
Tenho de me controlar. Também não lhe posso fazer uma recepção demasiadamente histérica.
A senhora do casaco castanho trouxe o cão. Se calhar deveria ter-lhe trazido um presente.
De que cor será a sua roupa?
Não me posso esquecer de lhe dizer que as minhocas espreguiçam.
Ele nunca mais chega.
Já teria dado tempo de eu ir a casa de banho.
Vou sentar-me. Esta cadeira é desconfortável. Acho que estou melhor de pé.
Se calhar pouso a minha mochila no banco, está pesada.
Tenho calor, talvez deva despir o casaco.
Será que é ele? Não consigo ver, há uma cabeça à minha frente!
Tem uma camisola vermelha. Ele adora vermelho.