29 septiembre 2009

Dizem...

Se calhar ainda somos aquilo que erámos, dizes tu. Uma espuma do passado, um restinho de chocolate no fundo da caneca de Cola-Cao. Se calhar é só porque não sabemos ser diferentes (que desculpa tão apetecível), ou talvez seja porque estamos acomodados, sedentários, rotineiros, medrosos, digo eu.
É mais fácil esconder-se na exteriolidade do nosso problema, na felicidade fácil e superficial, no tempo como salvador do mundo, diz uma voz sábia de por aí. Preferimos evitar os caminhos espinhosos de uma vida nova, fugir da responsabilidade de um ser solitario, buscar no antes uma justificação para o agora, uma esperança para o depois.
Diz o povo que passado vive no museo e que o futuro a Deus pertence. Mas, o presente, o que se vive e não o que se oferece, não devería se tão planeado, pensado, dissecado e digerido, dizemos os dois como forma de auto-convencimento. E, enquanto continuamos a viver neste limbo intemporal, vamos representando as cenas felizes daquele guião de antigamente, dizes tu e eu confirmo.

27 septiembre 2009

O Picasso sabia chorar


Porque para chorar é preciso lágrimas e muitas caixas de lenços.

É preciso ficar verde, azul e amarelo. Babar-se e inchar o nariz.

Para chorar é preciso que dos teus olhos saia um rio de lágrimas. Que a tua cabeça rebente e o tamanho da tua orelha deixe de importar.
O Picasso, esse sim, sabia chorar. Porque se queremos chorar, meus senhores, é preciso um mínimo de dramatismo. E não me venham cá com choraminguices.

23 septiembre 2009

O problema

O problema é que acabámos como um caso mal resolvido. Um caroço entalado na garganta. Aquele gostinho meio amargo, meio azedo, que surge de vez em quando no final de uma conversa ou numa sequência de pensamentos silenciosos.
O problema é que o tal carocito arde fundo e(já) não tem lágrimas, ele doí, bem forte, como aquela distensão muscular que tivemos preguiça de tratar. Mas,pelo menos, conforta-me saber que não é sempre assim, todos os dias o mesmo incómodo. Há largas e extensas temporadas em que a pontadinha adormece. Numa hibernação feliz de hamster pachorrento. Mas nestas andanças da vida não se pode vacilar. Basta uma mínima distracção e, zás, lá surge a dorzinha outra vez.
O problema foi que isto saiu-nos dos planos, transbordou-nos das mãos. Era para ser só mais uma história de noites aborrecidas com novos amigos. Um suspiro dramático num circulo de álcool em copos de plástico. Uma memoria. Um passado distante.
O problema é quando o presente supera a agenda meticulosa que controla os dias. E ali estás tu.Outra vez.
Chegou, felizmente e sem querer, o dia que há anos esperavamos. Quero dar-te um abraço forte e pedir-te desculpa. Quero cuspir-te na cara. Não, escarrar-te e insultar-te e bater-te para que fiquem para sempre no teu corpo as cicatrizes que deixaste em mim.
Quero descobrir se mudaste de perfume. Sussurrar-te uma frase ao ouvido e ver se ainda sabes a resposta. Quero saber da tua mãe, da tua avó, da casa de verão e do gato bebé.
Quero que te lixes e quanto pior melhor. Quero que sofras pelo menos uma lágrima das que eu sofri.
O problema é quando a dor volta e ficamos a pensar em tudo o que podíamos ter feito para evitar a lesão.

02 septiembre 2009

"The more you leave, the less you loose"

A minha vida é uma eterna despedida. Um vai e vem de adeus e olá-caras-novas. O medo de ir e a vontade de voltar. Aquele passo meio dado, meio forçado, meio com vontade de fazer o mundo dar cambalhotas para trás, daquelas que eu nas aulas de ginástica nunca conseguia acabar em pé. E ainda não consigo. No fim saio sempre com um andar cambaleante e um sorriso forçado, esperando que a atitude do atleta melhore a sua pontuação. Engano os mais distraídos, que admiram a dita “coragem”, e comovo os que achavam que a minha vida era um fútil e desentendido abrir e fechar de portas.
E então ouço aquele famoso adeus. Aquele adeus já chorado tantas vezes nas filas de aeroportos, nas mesas de um jantar barato, nas cartas de juras de amizade eternas lidas à beira mar. É um adeus em coro e sem volta.
Já não peço telefones, nem contactos. Nunca olho para trás. Já não tiro fotografias, nem escrevo dedicatórias. Isso é para os novatos. Limito-me a escutar, com a atenção de uma eterna peregrina, os votos de boa viagem, as “certezas” de que terei uma vida melhor. “Vem visitar-me”, “vou visitar-te”. Tu não vens e eu não virei. Eu sei, mas eles parecem ter esperança.
Agarro-me a esses votos e repito-os obsessivamente na minha cabeça.
“Vai correr tudo bem”, dizem-me. E eu decoro. Até ao dia em que não precise mais de palavras encorajadoras. O dia em que encontre o meu lugar nesse mundo de despedidas.
O dia em que, quem sabe, me canse de fugir.