30 diciembre 2008

Estás e não estás e eu já não sei onde estou.
Estamos, queremos tanto estar, mas não passa de um querer.
Já não sei o que quero e por onde estou.
Porque quando estás não estou e quando estou nunca estás.
E assim andamos desencontrados nesta rápida estadia.
Vamos estando. E o tempo vai passando.
Onde estamos, afinal?

26 diciembre 2008

Pipocas

O mal é ver demasiados filmes. Com pipocas e Coca-Cola.
É chorar por trás dos óculos dedilhados. Tirar o sapato e esticar os pés por cima da poltrona da frente. Menina má. Isso é falta de educação.
O mal é ver demasiados filmes e lembrar daquele nosso primeiro encontro. Tu, qual galã desajeitado, a conquistar os corações das adolescentes. Eu, sedutora pretensiosa, ganhando a ira dos espectadores. “Dissimulada!”, gritaria a minha mãe no meio das pipocas.
Imagino então os nossos passeios em contra-picado com filtro azul. Cheio de flashes do passado com momentos embaraçosos de crianças que querem crescer. Seria uma pós-produção complicada. Custosa. Põe mais um olhar naquele encontro desinteressado. Um sorriso no dia que não ficou marcado na agenda. Esquecimento.
Faz das discussões reencontros apaixonados. Dos dias aborrecidos uma banda sonora com folhas de Outono. Diálogos rápidos e inteligentes. Gestos impulsivos, acertados e heróicos. Como aqueles que se compram com as gomas ao quilo.
O mal é ver demasiados filmes. Por que é que a vida não se pode comer com pipocas?

23 diciembre 2008

A cidade do fingimento

Era o mesmo colchão. O dos pesadelos.
Tinha ainda aquele toque de lençol barato. De borbotos com sabão em pó.
Era real. Eu tinha voltado àquele lugar.
Todos os sentimentos que critiquei, as atitudes que nunca entendi. O egoísmo do café que nunca chegaria a marcar, do telefone que fingi não ouvir. O eu desprezível que tanto detestava e de quem tentei fugir, de quem forcei o esquecimento.
Estava de volta.
De repente à memória chegam sensações de dias de angústia por acabar, de sorrisos falsos, palavras forçadas, do ser incompleto que à noite, antes de dormir, reza para que o próximo dia não chegue. Mais um dia de rotina preguiçosa que finge estar ocupada. Um dia mais de fingimento.
Aquele suor frio que te acompanha pelos dias de pobreza cinzenta. Que te pressiona para seres melhor. E que te faz mal, tão pior do que aquilo que aprendeste ser. A concorrência de desconhecidos que paira pelo ar desta cidade onde não basta ser normal. Onde não te deixam ser feliz.
Eu estava de volta. E dormia naquele mesmo colchão.

13 diciembre 2008

Um jantar

Foi só um jantar.
E tanta coisa mudou.
Havia aquela mais séria, que rebolou de língua enrolada e copo na mão. A sorridente que confessou a alegria de amores recém descobertos em terras esquecidas. O menino das camisas que se descompôs em passos deslizantes de dança, entre histórias de conquistas e de corredores estudantis.
Não havia mulheres interessantes e bonitas ao mesmo tempo. E essas já estavam ocupadas. Mas isso é outra história. Uma sobre pessoas fúteis.
Houve sorrisos enviados pelo correio, confissões de amor e uma ou outra traição. Sem julgamentos. Pelo menos não muitos.
O álcool da concorrência tornava-se comunitário e as músicas resultavam em grandes abraçados sem jeito, seguidos de passos de dança tropeçados e uma gargalhada abafada pelo novo hit espanol. Desconhecido. Mais uma vez.
E aquele que antes era a autoridade em cima do estrado, baixou até nós em piadas desrespeitosas, discussões mais ou menos agressivas e lágrimas de risadas estridentes.
E tinha sido só um jantar.
Mas tanta coisa tinha mudado.

Borde

Apareceu do nada, chocando com as frases de linguagem universal. Explicaram-mo com meias palavras, sentidos ambíguos, com o medo de dizer o assertivo.
Seria uma esquina de um objecto pontiagudo. Daqueles em que não queres tropeçar. Sangue, choro, hospital.
É a personificação de uma seta afiada que chega, vem e destrói. Sem piedade. Diriam, sem compaixão.
Erro no sistema. Bloqueou-se o computador central. A definição não encaixa ao protocolo.
Estado actual de saúde: extinção forçada.
Há que polir as arestas. Socializemos as nossas esquinas. Queremos sorrisos constantes, palavras meio-ditas, protocolo, dicionário, protocolo.
Mas a sociedade é benevolente, avisam-me. Não há que me preocupar. Os génios da ciência já encontraram a cura.
Desiste de ti e faz-te outra pessoa. Uma mais gostável. Uma menos bruta.

Uma menos “borde”.

12 diciembre 2008

Enjoo

Não tenho paciência para namorar. Nunca tive.
Isso do vou aqui, vou ali, importas-te que vá sem ti?
Enjoa-me. Tal como baba de camelo.
Isso do és tão bonitinho meu amorzinho, és a luz do meu mundinho.
Dá-me vómitos. Igual a sopa de legumes.
Irrita-me o tens que ligar, tens que fazer, tens que jurar amor eterno.
Ou não é amor.
Pois que não seja. Porque o amor enjoa-me. Como leite com chocolate.
E, no fim das contas, concluem que não tenho sentimentos.
Morrerei velha e amarga.
Mas a verdade é que isso não me preocupa muito. Porque um dia conheci por ai a um tipo, que até me pareceu interessante, e que gostava de baba de camelo, batas fritas com gordura e sopa de legumes.
Formámos uma parceria estratégica. Eu dava-lhe a minha amargura, ele os seus sorrisos. E isso, estranhamente, não me enjoou.
Dizem que, a partir daí, passei a ser uma nova pessoa.
Dizem.

08 diciembre 2008

Memórias. E histórias.

Eram dois forasteiros em aventuras europeias.
Fizeram do continente o seu mundo, e decidiram andar por aí. À deriva.
Perdidos em quartos partilhados e corredores de supermercado. Contando moedas. E gastando-as em guloseimas.
A vida era uma rotina de paisagens, mapas, fotografias e solas de sapatos gastas. Era uma rotina do não rotineiro. E isso parecia tão normal.
Trocavam dinheiro e mudavam de casa, lidavam com os imprevistos com alguns berros e gargalhadas. O fast-food era o seu maior luxo.
Ás vezes mendigavam, isso é certo. Mas faziam-no com o estilo de quem tem zeros no cartão de crédito, de quem pode mais e não quer.
E assim perseguiram noivas, bares, amigos e o bom tempo. Assim meteram-se em direcções erradas, espalhando os seus pertences pelo mundo. Que generosos.
E agora de volta à escravidão do tempo, do espaço e da geografia, restam-lhes as memórias. E as histórias. Porque eles eram dois. E esta foi a sua aventura forasteira.

05 diciembre 2008

Babel

Não nos entendemos. E isso parece importar tanto.
Aquilo da gramática universal não existe. Tonterias. Já apelamos ao inglês, ao espanhol e ao italiano. Já tentamos o esperanto e a linguagem gestual. Nada funciona.
Fomos então pedir um remédio a um médico especializado nesses males. Queríamos curar-nos da doença de Babel. Doença rara, disse.
Como solução surgiu a indiferença.
Seguimos levando a vida como se enfermidade nenhuma houvesse. E do desprezo veio a cura. Sentíamo-nos comunicados.
Mas a língua estrangeira é um eterno terreno escorregadio. Há que usar meias antiderrapantes.
E naquele dia esqueci-me. Que tamanho tropeção!
E caímos juntos, torre abaixo, numa cambalhota gigante de água salgada e soluços debaixo do lençol.
Foram-se as regras gramaticais nunca escritas, as muletas linguísticas que nos caíam tão bem. Sujou-se de lama o livrinho de vocabulário que levava na mala, aquele sorriso feito sem pensar, a frase sem sentido tão comummente compreendia.
Havia que começar de novo. Que reescrever as regras.
Mas e se não nos entendermos?
Dizem que está aí o mistério.

26 noviembre 2008

Dizes que não queres falar. E eu respeito.
Mas e se eu perguntar só assim ao de leve?
- Já te disse que não quero falar.
Desculpa. Eu respeito. Estava a ser invasiva. E isso não quero ser. Não. Isso não.
Mas eu não sei falar de outra coisa. Porque é só nisso que eu penso. Naquilo de que tu não queres falar.
E então não falo sobre nada, porque qualquer assunto seria um desvio ao tema principal. E tu nada respondes. Não queres, já sei. Eu respeito.
Mas a verdade é que não respeito coisa nenhuma. Porque quero mesmo saber. Porque me preocupa.
Mas não pergunto, nem comento. Porque tens direito a não querer falar. Tens esse direito, mas eu não o respeito.
E então pergunto.
Dizes que estás bem. Eu não acredito. Mas não insisto. Nem contesto.
E caímos na monotonia de pergunta e respostas ocas. Em que tudo o que dizem é: fala comigo, por favor, daquilo que não queres falar.
E mesmo assim não falas. E eu respeito.

18 noviembre 2008

Naquele banco de jardim

Hoje tive saudades de me sentar num banco de jardim. De me sentar, bem juntinho, naquele banco de jardim. E lembrei-me.
Lembrei-me de ficar em silêncio, apreciando o momento. Dos beijos que nunca contei, do roçar das mãos que só eu senti. Lembrei-me daquela primeira jura de amor. Eterno.
De como a chuva era a pior inimiga das relações. Das longas caminhadas ao frio de mãos entrelaçadas. Muito antes de existirem os carros.
De um jantar em um fast-food de centro comercial. Do quanto sonhava com esse momento de hambúrguer. E como era romântico. Aprender a dar as mãos no cinema. Devagarinho. E, quem sabe, às vezes, dizer um segredo ao ouvido. Arrepios.
Dos beijos eternos. De abrir os olhos e a paisagem já ter mudado. Radicalmente.
E hoje tive saudades dos amores escondidos. Daqueles que nunca contei. De me deitar na cama, num grande suspiro, e sonhar.
Sonhar com um banco de jardim. E um alguém, quem sabe.
Mas agora cresci e as casas têm aquecimento central. Já não é preciso passar frio.

13 noviembre 2008

Esmagadinhos

“Tivesse marcado para mais pessoas”, disse o senhor sem nome. “Soubesse eu como essas coisas se faziam”, pensei.
Mas o feito é facto e a solução era única: “Apertarmo-nos”.
E foi chegando mais um e outro e o metro quadrado encolhendo. A um já não se via os gestos, a outro a cor dos olhos. As fotos, uma amalgama de pedaços sem sentido. E foi chegando mais outro e mais um e já não podíamos cortar a carne. “Dou-te espaço para cortares a tua primeiro se quiseres”. É a generosidade própria dos apertados. Ou dos esmagadinhos, preferiria dizer.
Esmagadinhos pelo mesmo sentimento. Aquele comum aos que se encolhem para não se separar, aos que não importa comer primeiro ou deliciar-se com a carne fria e gelada.
E à medida que o tempo passa, vamos apertando, encolhendo, empurrando. Mais e mais. Porque uma vez encaixado, não há volta atrás.
E perguntava-me um no outro dia:
- Como descreverias um verdadeiro amigo?
E eu, sem saber, sabiamente respondi:
- É aquele a quem ligaria num domingo a tarde para vir preguiçar comigo no sofá.
Os dois esmagadinhos, acrescentaria hoje.

02 noviembre 2008

O equilibrio do universo

Hoje já é ontem, foi a conclusão que cheguei.
Hoje já é ontem, comentei de maquilhagem borrada, cabelo duro, bolhas nos pés.
Hoje já é de manhã, porque hoje já é amanha, dizia-me a data do jornal do dia seguinte.
Hoje já é amanhã! Era o queria gritar. Mas não havia voz.
Hoje, ontem e amanhã gastei a voz num espanhol de tempos compostos, num inglês de me tarzan tu jane.
Tentei convence-los de uma origem falsa, expus a garganta a um ar de tabaco barato, a gritos de músicas aprendidas de antemão.
E pensando nesses termos, já me doía a cabeça há três dias. Desde ontem e até amanhã.
É curioso o tempo, faz-nos com cada partida.
Mas então voltei para casa, porque o jornal (e todos sabem que o jornal nunca mente) me dizia que tínhamos riscado o meu dia do calendário. Voltei para casa, e o cansaço adormeceu-me.
Mas não é que quando acordei ainda era hoje? Quero dizer, o hoje que ontem era amanhã.
No fim das contas, na vida perde-se um dia e ganha-se outro logo a seguir. É o universo a equilibrar-se, diriam os cientistas.

30 octubre 2008

Nas Astúrias

Eram estranhos. Estranhos unidos pelo desconhecido.
Em cada feição se notavam horas de preparativos frente ao espelho, noite dormida aos sobressaltos com formigas no estômago, vezes e vezes da mesma frase pronunciada: “A ver”.
“A ver” como será a viagem, que tal os companheiros, os prémios, a música e a saída à noite. Um “a ver” de poucas expectativas, de espera desinteressada. Mas em todas as letras pronunciadas se encontrava uma certeza por detrás dos olhos ainda tímidos: queriam “passa-lo bem”.
E de bem em bem, lá o foram passando. Pelo jantar de cidra e pelo pub de música espanhola, pelos segredos confessados a desconhecidos, as traições, os desamores, a vida contada em altos decibéis.
Dividiram o carro, o copo, o quarto, as criticas de olhares e bocas caladas.
Horas depois, escassas horas depois, já não se sentiam estranhos. Não viram o príncipe, a Letizia ou a Ingrid Betancourt, mas afinal isso não importava nada.
Porque já não eram estranhos e tinham-no passado bem.
Muito bem.

27 octubre 2008

Play

Faltam poucas horas para que o relógio volte, outra vez, a funcionar. E há ainda muito que fazer.
Isto porque houve um segredo que não te contei. Desculpa.
Sim, foste usado.
Captei o teu melhor ângulo, roubei-te um pedaço de cabelo, anotei o teu prato preferido e aquela expressão que estás sempre a dizer.
Xis.
Pintei-te vários cenários, vi-te a moveres-te em cada um deles. A interagir com todos os personagens naquela tua maneira de falar à desenho animado.
“estava en el chano”, disseste. Eu decorei.
Brinquei contigo como fantoche de peça infantil. Faz assim, olha para ali, como reages a este estímulo?
Estudei-te.
E agora tenho poucas horas para juntar todos os teus pedaços, aqueles que tenho vindo a roubar, e monta-los numa sequência perfeita que possa ver vezes infinitas sem nunca ficar enjoada.
Vou realizar-te num filme, talvez uma pequena curta-metragem. Contrapor os teus melhores lados com aquela cara-careta que fazes quando te zangas. Vais andar pelo mundo, cantar e gargalhar com os teus dentes meio encavalitados.
Vou fixar-me naquela minha pinta preferida, no jeito do cabelo que não se desfaz, no olhar que encontrei em ti quando me vias dormir.
A banda sonora, essa já conheces de cor.
Desculpa se fiz algum erro técnico, se te iluminei mal em alguma cena, se não escrevi um diálogo claro.
É que eu às vezes sou meio desajeitada, tu sabes.

Play.

20 octubre 2008

Normalzinha

Ela estava diferente. Diferentezinha. Já não se sentia aquela menina de tempos atrás.
Foi-se-lhe o sorriso gracioso, os olhos que escorriam paixão. Perdeu a determinação de mudar o mundo. O cabelo cada vez mais desalinhado, as roupas desbotadas.
Sentia-se normal. Normalzinha. Sem nada que lhe valesse o olhar, o suspiro, o comentário. Era como se tivesse perdido o encanto de outrora, a popularidade dos rejeitados, a garra dos que querem mais.
Deixava-se levar pela vida. Levianamente. Ia vivendo no embalo do dia-a-dia, sem grandes motivos, grandes histórias. Procurava o seu lugar.
Causa perdida.
E fazia-lhe então a mais desinteressante das perguntas: porque ainda gostas de mim, afinal?
Desinteressantezinha.

12 octubre 2008

Pedinchice

Já te pedi tudo. Já te pedi demais.
Pedi-te para vir, para ficar e para ir. Para fazer, para desfazer e refazer.
E tu foste fazendo. Indo e ficando.
Foi então que te disse que fazias demais. Que não fosses tão obediente.
Rebelaste-te e isso aborreceu-me.
E tu desfizeste-o.
Disse que não te queria, que te queria demais. Que já não aguentava e que contigo, de mãos entrelaçadas, poderíamos ser um nós para sempre.
Mas depois neguei-o.
E tu aceitas-me as mentiras, engoliste-as, vomitaste-as, quando necessário.
Falei-te de amor, e os teus olhos brilharam. Em seguida desconversei e fingiste não conhecer o tema.
E nessa altura reclamei. Que não te armasses em homem perfeito que eu não engoliria essa história.
Desarmaste-te.
Seguiste na tua, a meu lado.
E eu na minha, procurando um lado para estar.
Logo encontrei um lado. Era o esquerdo.
Mas nessa altura já estavas tu muito longe.
E foi então que me chamei de pedinchona.
Tu riste-te.
Mas tinha de pedir, só uma última coisa.
Fica, disse.
E tu ficaste.
Agora acho que já te pedi demais. Que te dei de menos.
E peço-te, apesar de não ter mais crédito, que, de uma vez por todas,
Sejas tu agora a pedir.

10 octubre 2008

Aprendiz

Sou aprendiz de tudo e mestre de nada. E ando pela vida procurando.
Vou e venho neste movimento de forças que me faz sempre ir um passo à frente. Queria compreender esta energia que nos faz procurar sempre algo maior, uma meta mais arriscada, um desafio mais melindroso.
E no final, sinto-me uma eterna buscadora e falhadamente encontrada.
Pergunto-me se chegará o momento em que os pés se colarão a uma terra, em que os olhos chorarão de alegria pela mesma paisagem revisitada. Ou talvez esse dia nunca chegue. Talvez eu seja mesmo uma eterna aprendiz em busca de um complemento. E a minha plenitude varie de ofício em ofício. Ou, quem sabe, tudo isto seja apenas uma desculpa poética de alguém que nunca se sentirá suficientemente boa, capaz, apropriada. De alguém que nunca se deixou viver de verdade. Viver o suficiente.
Enquanto as respostas não chegam – será que um dia chegarão? – sigo dedicando-me à minha mestria: ser aprendiz.

07 octubre 2008

A cor do verniz

Estávamos em momentos de revelações sentados no chão do reggae dos populares. Uma palavra ao ouvido e um toque que faz o mundo dar cambalhotas.
E, de repente, sem aviso prévio ou olhar denunciador, comenta:
- Usas verniz vermelho – ou será que ele disse encarnado?
Na verdade, estava preparada para qualquer comentário, tinha ensaiado, qual exame oral, todas as respostas possíveis. E tinha também pintado as unhas horas antes da festa, claro. Um vermelho sedutor. Nestas alturas há que tentar tudo.
Respondi-lhe um “sim” cor de verniz, e fiz um gesto de pouca importância, sem querer delatar qualquer prévia preocupação sobre o assunto.
Ele não tinha gostado da escolha, conclui.
- Não, não é isso, claro que gosto.
Apesar de tudo, no próximo encontro passei-lhe acetona.
Com o passar do tempo, esses detalhes deixaram de importar. Esquecia-me dos brincos da cabeceira e dizia-lhe que o verniz lascado era para me dar um ar “mais original e desportivo”.
Mas hoje, quando acordei, pensei: vou pinta-las de vermelho.
Como naquele dia.

05 octubre 2008

! Nos mola mogollón !

Nas ondas borbulhantes os pensamentos voam e vêm ao sabor de assobios salgados. Os cabelos enchem-se de nós em passeios de bicicleta de assento duro.
E foi numa viagem solarenga à beira mar que tomamos esta decisão.
Foi uma conversa que durou horas, quem sabe dias. Discutíamos os pesos da balança, fazíamos listas imaginárias de prós e contras.
Estávamos na cidade de cristal. Não, risca, não lhe atribuamos fragilidades. Sentíamo-nos vidro robusto e reluzente. Encontrávamo-nos longe de casa e, estranhamente, o sol continuava a reflectir as mesmas ondas.
No fundo é tudo uma questão estética. O amarelo é o novo azul, diz-me. É preciso que te modernizes. Explico-lhe que os sentimentos são coisas do passado.
Convence-me. O mundo agora é amarelo, porque desapareceu de mim a sombra cinzenta que me perseguia. Cortemos-lhe o cabelo, demos-lhe um look actual. Quero dizer, um “mood” actual, se é que me entendem.
Isto para concluir que, como está à vista de todos, mudámos de visual. E quando digo nós digo eu e ele. Rendemo-nos ao amarelo.
Para quem está confuso, porque isto do mundo das metáforas é complexo demais, resumo tudo em uma frase:
! Coruña nos mola mogollón ! e agora temos a cara disso. Que não nos olhem mais com cara de reticências.

03 octubre 2008

A expressão maldita dos amantes

O tempo veio e transformou o amanhã num ontem muito distante. Partiu ao meio as fantasias sonhadas com os cabelos salgados. Mas há sempre um momento, aquele momento, que nem o andar do relógio nos faz esquecer.
Ensinámos os lábios, censurámo-lo, explicámos-lhe que não queríamos voltar a errar. Mas o pensamento é um aluno ranhoso, daqueles traquinas de óculos com fita-cola. Lá está ele, na fila da frente, numa insistência torturante:
- Diz, sente, faz, não omitas, diz, explode, corre, berra.
Para sempre é a expressão maldita dos amantes. Foi carimbada de vermelho há muito tempo atrás.
Mas há aquele momento, aquele um momento, em que o menino birrento vence a nossa autoridade rígida.
Aquele momento em que fechamos o cadeado, em que o pensamento pressiona, insiste, implora.
- Para sempre.
O menino limpa o ranho, ajeita os olhos e pergunta:
- Doeu?
Mas desta vez queremos mesmo que seja verdadeiro. Que não voltemos atrás, que não nos cresçam os calos. Fechamos os cadeados na expectativa de que o futuro seja um jardim de flores perfumadas, ou, quem sabe, uma longa conversa sobre o debate presidencial dos Estados Unidos. Está fechado. E engolimos a chave.

29 septiembre 2008

Há muitas pessoas que não gostam de pés. Dizem que mete nojo.
Nunca percebi muito bem esse conceito. Eu gosto de pés. Rio-me com as unhas encravadas e os pelos tipo hobbit no dedo grande. Opino sobre a cor do verniz e o anel ao lado do mindinho. É uma existência feliz, essa dos pés.
Há aqueles pés que são mais andantes e os que são mais parados. Um dia disseram-me que os meus dedos dos pés pareciam porquinhos. Isso faz deles andantes?
Pé andante não é um pé que anda, como é obvio. Pé andante é pé que não sabe ficar quieto, que quer sempre ir um passo a frente. Não é pé rápido, é pé com formigas nas plantas que dão cócegas e nos fazem correr. Não há exigências para pés andantes, pode pisar errado e ter andar um quarto para as três, não faz mal. O único requisito é ser inquieto. Pé andante é pé inquieto.
Dos porquinhos passei a ter “ritmo” no pé. Não que isso signifique dançar (neste momento tenho todos os meus amigos/colegas/conhecidos a rirem-se – obvio que não poderia significar que ritmo de dança, quem me conhece saberia). Explicou-me, então.
Pé com ritmo é pé que quer sempre ir mais longe, que quando está parado pensa para onde irá a seguir. Pé com ritmo é pé pensante. Quando o meu pai acaba de comer pergunta: o que vai ser o jantar? Isso é estômago com ritmo, se me faço entender.
E, para quem não percebeu, porque gramática de pé não é das mais simples, isto é um grito de socorro de um pé porquinho andante e com ritmo que procura pé interessante e companheiro que partilhe passeio na praia de pé enterrado na areia. Quem sabe o passeio acabe num entrelaçar de pés. Mas isso, só o futuro dirá. E, sim, pé também tem futuro.

26 septiembre 2008

Ontem à noite

Estávamos juntos. Eu corria numa vida apressada, de passo acelerado. Tu mergulhavas nos sonhos da ficção em tela grande. A conversa era um entusiasmo histérico de novidades e mundos novos.
Estávamos juntos.
A vida corria separada em tempo record, as experiências faziam-nos diferentes, mais perto daquilo que sempre quisermos ser. A distância era um desafio aliciante, de fuga ao rotineiro e ao velho andar da carruagem.
O guião era bom, os actores nem tanto. Éramos nós a brincar aos filmes de amor no sonho de ontem a noite desta cidade de cristal.

25 septiembre 2008

Fora dos trilhos

Havia aquela sensação do adquirido, a rotina do mesmo rosto, as conversas do-que-se-fez-hoje. Um beijinho ao acaso e um olhar de admiração. Era a confusão de dias passados na tensão da convivência e do mundo que, estranhamente, agora corria alinhado nos trilhos.
Mas foi um futuro decidido ao acaso que mudou o rumo da história, descarrilou a maquineta, pôs os ponteiros ao contrário. Não que isso resolvesse alguma coisa, não. A sabedoria alheia conta como tudo agora poderia piorar, partir, ter um acidente fatal. No entanto, de volta aos ecrãs digitais e aos pensamentos não partilhados por SMS monossilábicos, sinto-me maior.
E com a autoridade do meu novo estatuto, olho para trás e penso em tudo o que teria feito diferente. Quem não teria?

23 septiembre 2008

lentamente só

Aqui os dias passam com um andar devagar e preguiçoso. Vou observando as pessoas, imaginando as suas vidas, metendo-me, inconscientemente, nas suas conversas. Acho que esse namorado não te merece, que devias comprar a camisola azul, que os teus pais têm razão nessa parte da história. São desconhecidos de língua estranha, com quem partilho bancos de jardim, mesas de café, cadeiras de cinema. E em cada coscuvilhice uma palavra nova, uma expressão, uma correcta entoação da voz. E assim se vão passando os dias, l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Como quem não tem pressa em aprender, quem se deixa absorver por uma nova cidade.
Ás vezes sinto falta de um amigo, uma conversa no café, uma companhia para o cinema das oito da noite. Outras vezes não. Vou passeando comigo mesma em horas infinitas de caminhadas ao mar. Vou conversando comigo todas aquelas conversas que ainda não tinha encontrado tempo para ter. Vou lendo o que pensam os outros e moldando o meu pensamento.
E aos poucos vou me conhecendo. O que às vezes é bom. Outras vezes não.

22 septiembre 2008

Despedida e Peras

Desta vez não houve dramas, nem lágrimas, nem letras de músicas ditas ao acaso. Houve a serenidade de quem sabe aguardar o futuro. Agora aqui estou eu nesta cidade tão estranha e que quero tanto que venha a ser minha. Sinto-me um homenzinho verde a passear por estas ruas de sotaque espanhol, uma menina indefesa que quer a sua mãe, ou quem sabe, só alguém a quem ligar a dizer “hei, dói-me o joelho”.
E não houve lágrimas, nem despedidas. Como se nunca me fosse embora, como se não fosse por muito tempo. Nada de radical iria acontecer. Um beijinho, um olhar para trás.
Não houve jantar formal, noite passada às claras, maquilhagem e presentes. “Se choras dou-te uma pêra”. Por agora apetecia-me ter dramatizado, levado peras e peras de recordações que ficariam marcadas na pele. Por agora queria ter tido consciência do ridículo das discussões e aproveitado esse tempo para declarações debaixo do lençol.
Comer peras debaixo do lençol. É isso que me apetece agora.

03 septiembre 2008

O homem grisalho

Há um homem cinzento a espreitar os meus dias. Vejo-lhe sempre primeiro os pés.
Acho que devia mandar polir aquelas botas da tropa. São pretas, cano alto, atacador daqueles que é preciso colocar o despertador para cinco minutos mais cedo só para poder calçar os sapatos em condições. Mas ele não faz isso. Tem sempre as botas mal abotoadas. Que desleixe!
Tento voltar ao trabalho e lá está ele, do lado esquerdo do meu campo de visão.
Incomoda-me que salte as casas do atacador. Qualquer dia aquilo sai-lhe dos pés. Quero sempre avisar-lhe. Espremo os olhos e tento, mentalmente, ajeitar-lhe os sapatos. Nada feito.
- Quanto caracteres tenho para a noticia da fusão das agências?
Ele tem uns jeans escuros esbatidos que lhe estão largos na cintura. Engraçado. Ainda não tinha reparado nisso. Acho que têm ficado mais largos a cada dia que passa. Curioso.
Mas se há uma coisa que está sempre impecável é a sua camisa, preta, claro.
- Achas que não me consegues mais espaço? Consegui um exclusivo com o CEO.
Impecável se não contarmos com a caspa que decora os ombros e o terceiro botão a contar de baixo que está meio partido (mas abotoa mesmo assim).
É bonita a sua camisa. Outro dia ocorreu-me que aquele brilho que ela ostenta possa ser sebo e não cetim. Tentei afastar a ideia.
- Talvez se mudares a notícia para a página 16 já dê, não achas?
É claro que os seus cabelos compridos e mal lavados não ajudam à sua caspa constante. Talvez devesse mudar de shampoo, sei lá. Notei que estão a aparecer-lhe uns brancos. Mas eu até gostei, dá-lhe um certo ar de sabedoria grisalha.
Tem estado cansado, ultimamente. Acho que não anda a comer como deve ser.
- Quando é que te vais embora?
- Dia 16.
- O tempo está a acabar.
Parece que já me afeiçoei a ele. Agora nem tenho tido muita vontade de o mandar embora. Talvez eu seja a única a achar isto, mas aquele grisalho fica-lhe mesmo bem. Se pelo menos ele andasse a comer como deve ser...

02 septiembre 2008

Cem euros

Escrevi as palavras no google, meio a medo, porque só o acto de soletra-las torna tudo mais oficial. Carreguei um enter tremido.
Lá no fundo rezei para que não aparecesse nada, que fosse mais uma pesquisa mal feita. Assim desistiria logo dessa ideia maluca. Nós? Claro que não! Que ideia mais sem sentido!
Mas a internet é um mundo de segundos e apareceu logo ali, no primeiro link, a resposta para a minha pergunta internauta.
Cem. Cem euros são dois dias de interrail, quatro noites num bom hostel, um mês de comida no supermercado. É quanto custa uma semana de curso intensivo de espanhol, é metade do aluguer da casa. Cem euros compram um bom par de calças, umas botas de couro e uns tenis all-star, ultimo grito da moda. Fiquei sem saber se era muito ou pouco.
Mas o acto de pesquisa estava feito. Um primeiro passo tinha sido dado e o futuro espreitava-nos com olhos de criança em véspera de Natal.
Calma, o Pai Natal (ou seriam os Reis Magos?) já está quase a chegar.

31 agosto 2008

Suores frios

Há um suor frio nos meus pés que me faz fechar os olhos. E nas celulóides de momentos futuros vejo-me longe. Queria entender por que a felicidade está sempre tão distante, vemo-la naquele país para onde queremos ir, no trabalho que sonhamos ter (e nunca conseguimos). Nunca aqui, na algibeira dos jeans desgastados. Queria perceber porquê.
Dizem que é bom. Isso de nunca estar satisfeito. Bem, é o que dizem.
Mas aquele calafrio no pé dá-me dores de barriga. Há remédios para essa dor. Não pode ser uma coisa boa.
É a constante incerteza do destino, um ímpeto irresistível de se atirar daquela varanda do sétimo andar. Uma atracção pelo desconhecido e uma promessa de felicidade.
Passo todos os dias por lá. Penso da minha queda. Faço os prós e os contras e volto para casa.
A varanda continua ali, com o seu charme atraente e intelectual, a sua postura certa e independente. Falta só dar o passo.
Mas os suores dão-me dores de barriga. Por enquanto, vou tomando remédios.

30 agosto 2008

Lar doce Lar

Dizem que não se volta a um lugar onde já se foi feliz. Eu também dizia isso.
Mas se houve uma coisa que aprendi nestes últimos tempos é que o português é uma língua difícil, já que para cada regra há uma excepção.
Deliciei-me durante um mês a aprende-las.
E em cada lugar passado, em qualquer monumento de fotografia antiga, em toda a história recordada pela fachada de uma loja vulgar, descobri uma diferente história e uma recordação que os novos acontecimentos não irão esbater.
É a sétima língua mais difícil do mundo, o português.
Não se pode tentar encontrar plenitude nos moldes antigos, na segurança de modelos de sucesso. Mas a excepção que dita a regra diz: volte e reinvente a fórmula.
Eu sabia que voltaria a este lugar.
É bom regressar a casa.

16 abril 2008

Margem de Erro

Rodeada de papeis, computadores e citações, o mundo mudou. Já não há histórias e experiências transcendentes. Há o dia-a-dia. Umas vezes mais cinzento, outras mais inspirador. Mas não o suficiente.
Prometo desta vez tentar poupar-vos de metáforas surrealistas.

Pois é, mudei de blog.
Quem sabe temporariamene. Até os entreactos voltarem.
Por enquanto, podem ler-me em www.margemdeerro.blogspot.com
Desta vez, um blog sem mateáforas =)

24 marzo 2008

Sr. Carlos

De volta ao pacato mundo cinzento. De volta ao negro véu que envolve as horas silenciosas.
Os dias passam-se como fotografia emoldurada. A sombra escurece o retrato. Sempre o mesmo retrato. Sempre.
E enquanto os minutos espreguiçam e as migalhas de bolacha água e sal se espalham, as recordações voam em imagens de ressacas passadas.
Uma bomba de gasolina e uma noite fria. Um beijo gelado em rua íngreme. Gritos de insinuações prometidas que soam desafinados a bigodes desconhecidos.
Há sempre um senhor Carlos na nossa vida. Aquele bigode e o dizer amigável. Que venha mais uma rodada. E outra. E outra. E ele vai ajeitando a comida no prato. Mais pão. Sinto-me tonta.
A mesa pinga alegria derramada, range a dor de barriga de gargalhadas cúmplices.
Já não precisamos de jogos, porque agora as danças iniciam-se de costas e terminam com um turbilhão de risadas. Com um grito de reprovação, um olhar de desprezo censurado.
E sem saber como, ou onde começou, quem teve a ideia ou quem deveria ficar com os louros, sentimos que afinal é bom voltar para casa.
Mas para isso, é preciso antes partir.

19 marzo 2008

O nosso prêmio Nobel

Dizem que ele vai receber o prêmio Nobel, que é um geniozinho, um intelectual reprimido, o futuro ministro da saúde.
Isso é para os outros. Para mim ele é o companheiro de viagens intermináveis de ônibus, de almoços no PF da esquina, de queijo coalho assado na brasa.
É desligado, atrapalhado, desengonçado. É aquela pessoa com quem podemos ficar durante três horas conversando sobre nada e no final concluir que tivemos uma conversa instrutiva.
Ele é o cara te que liga e diz “vamos no cinema?”, “quando?” pergunto eu, já com a agenda na mão “Agora, vou ai te pegar”.
E depois disso, se segue uma noite de conversa fiada, cinema e um barzinho qualquer. E no dia seguinte o celular toca: “Pô Má, são 9 da manhã e você ainda não acordou?”
Acho que é isso que faz dele o irmão promissor e de mim a “filha adotada”.

18 marzo 2008

Este mundo tão pequenino

Vivo num labirinto claustrofóbico de tectos altos e janelas compridas.
Sou anã em busca de um pé de feijão, de uma janela de onde possa laçar as minhas tranças.
Dizem-me para usar saltos, plataformas, riscas verticais. Nada funciona. Existem também aqueles tratamentos que se fazem às crianças. Mas já passei dessa idade. É pena.
Outro dia lembrei-me que talvez, se eu comesse uma dose cavalar de fermento e me enfiasse no forno, podia ser que aumentasse.
O Joãzinho e a Mariazinha só cresceram para os lados. Mas cresceram. É isso que importa. Alguém conhece uma casa de doces com uma bruxa avarenta?
Sinto-me formiga à volta do açúcar, melga a sugar o sangue doce. Preciso crescer.
Extravasar o mundo, bater com a cabeça no tecto, andar corcunda de tanto olhar para baixo.
Logo eu que sempre fui a mais alta da turma.

14 marzo 2008

ressequida

Há caminhos de terra que me percorrem o rosto. As estradas tornam-se mais fundas, os olhos mais chatos, a cabeça se inclina em um desistir pendurado.
Sou folha seca em árvore perene. Resisto.
Quero ir mais longe e superar o que está escrito. Insisto.
A minha vida é um soluçar de bons momentos. É um dicionário de dúvidas, de uma felicidade roubada nas crises de adolescência. Porque nada é bom demais. Bom o suficiente.
Os soluços sufocam-me o ar. Rodopio de tontura em busca de uma linha exacta que há tanto tempo perdi. Sou da estabilidade, do compasso de círculos perfeitos.
Agora vivo aos gemidos. Sou CD com partículas de poeira. Limpa-a que voltará a sinfonia harmónica. As melhores músicas são as que se aproximam da ópera.
O rosto seca com a terra dos anos. Sou diva ressequida dos meses passados em dias de horas lentas e preocupadas. De sono fugido, de ânsias engolidas.
Repudiam-me as felicidades gratuitas, as vidas fáceis de botas lambidas. Quero vomitar os que não resistem, os que não se impõem, os que se deixam beijar as mãos.
Precoce. Prematura. Sim, vou morrer aos quarenta.
Mas antes disso, preciso de um lifting.

10 marzo 2008

Aih, o mundo fantástico

Um carro, uma caneta e uma guitarra. Daquelas portáteis, com desenhos camuflados e fios soltos. Éramos mais rápidos que o mundo. Fazíamo-lo correr, apressar-se nas estradas perdidas, no almoço a horas tardias e no supermercado de uvas sem grainha. Mas o mundo é preguiçoso, não gosta de esforço. Castigou-nos com tomates assassinos.
Daqueles que fazem as tomadas parecerem portas de impressão visual e o tambor um fiel amigo do bambi.
Vieram os diários de letras macarrónicas e conteúdo ilegível, a sirene dos bombeiros e as panelas sujas. O tomate acabou esmagado num molho de natas com mostarda e limão. Pouco apetitoso.
Mas o mundo é forte e poderoso e não se fica pelas leguminosas. Conhece a sociedade em Rede, já diria o mestre de CC. Manda então mensagens que nos fazem rir de pânico, passar manhãs acordadas num respirar profundo de pesadelos adormecidos. O telefone toca. One missed call. Vem o rebuçado vermelho e a música fúnebre.
Vamos morrer. Ninguém aguenta tantas horas de frio e tortura. De inchaços e ligaduras. De promessas impossíveis e pensamentos irrealizáveis.
E foi então que o mundo percebeu. Estávamos presos ao nosso corpo. Este era o pior castigo.
Começou a matar japoneses de três em três minutos.
Mas essa parte eu já não vi. As legendas eram em inglês. O relógio marcava 3 a.m. Não é apenas o mundo que é preguiçoso.

05 marzo 2008

Demais

Não te vás embora.
Que mania de abandonar as pessoas. Fugir como se de nada se tratasse.
Sabes qual é o teu problema? Irritas-me. Criança.
Chegas como se nada fosse. Bates à minha porta, olhas-me com sorriso de gelados e castelos. Invades a rotina com o “prim-pim” do telemóvel e o café a meio da tarde. E se vou à farmácia, lá estás tu. E se vou almoçar, tu mais uma vez. Larga-me. Deixa-me viver à minha maneira.
Não faças isto assim, vai por aquele caminho, porque é que ainda fizeste aquilo? Não te esqueças do remédio. Obvio que ainda não lavaste o carro. Desaparece.
Cala-te uma vez na vida! Agora quem fala sou eu.
Não gosto que te vás embora. Não és a rainha do universo.
Que mania de lapidar o destino.
Egoísta.
E nem pensaste em mim. Eu sei que não pensaste.
E eu? Vou ficar aqui. Onde não há mails porque nada se passa, onde não há diversão porque já nem gosto deles tanto assim.
Culpa tua.
Levaste-me para dentro do teu mundinho perfeito. De diversão sem álcool, de risadas sem sexo, de cafés, lanches e idas à praia sem surf.
E agora que já me estava a habituar. Já sabia os nomes, os sítios e as historias. Agora que eles até me achavam piada.
Agora vais embora. E o pior. Finges que não vais. Fazes planos para Abril, Maio, Junho. Fazes planos para Dezembro e para 2010.
Cínica. Falsa.
E tudo isto, para dizer que tenho um problema.
É que gosto de ti. Demais.
"fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga."

José Luis Peixoto

03 marzo 2008

Mormon no elevador

As palavras fogem-me. Efémeras.
Falo, qual rádio de informação inútil. Conto e rio das minhas aventuras de nada. Falo e não paro até a garganta secar, porque existe ainda tanto por dizer. Quero contar que acordei despenteada e tenho uma borbulha nova no rosto, que vesti os ténis vermelhos porque os castanhos me faziam bolhas nos pés. Quero contar tudo, para que não se perca nada.
Quero contar o olhar apertado de covinhas, aquele sussurro inesperado ao ouvido. Quero conseguir descrever na perfeição o abraço que encaixa e o silêncio de sorrisos rasgados. Mas eu sou escudo. Escudo de traumas pisados e Internet com dor de barriga. A plenitude nega-se a cada momento. Sou mormon dentro do elevador.
E o pensamento arrasta-se para futuros longínquos onde o nós é um espatifado de eus e tus. Seguem-se as frases sem sentido, as dúvidas existenciais de quem esperou demais.
Esperou mais do que era humanamente possível. Ansiou uma afinação heróica, uma orquestra que se regia sem maestro. E agora a espera culmina num amontoado de sentimentos imperfeitos, com o nariz grande e o couro cabeludo que descama. Há o amigo que telefonou e o jantar de hoje à noite.
E existimos nós, e os hematomas dos beliscões.
Já não são precisos. Isto é mais do que real.

26 febrero 2008

Ossos do ofício

Vai e muda o mundo. Pega no teu pacote de cinquenta canetas bic, nos bloquinhos que coleccionaste pela vida e descobre.
Bate à porta. Suja o sapato. Não basta que senhor tenha mordido o cão. Tens de ir mais longe. Onde nenhuma pergunta indiscreta chegou, onde não conhecem o flash nem a assessoria de imprensa.
Encontra o que mordeu o zoológico inteiro. Esse sim. Conquista-o.
Fá-lo contar-te o sonho de ontem e o que comeu ao almoço. Come com ele. Come aquela refeição super calórica e desculpa-te com a tua nutricionista num sorriso orgulhoso: “ossos do ofício”.
Os filmes estão feitos. Os conselhos estão dados.
Agora só falta tornar o ofício real.
E eu tenho tanta pressa.

18 febrero 2008

A chuva faz pensar

E lá estava eu naquela terra escorregadia de temporais com estradas invisíveis.
Os pés afundavam-se em ritmo de marcha fúnebre e as botas novas gritavam desesperos de lama.
Isolei-me cada vez mais naquele redemoinho de terra molhada. Cobarde, não conseguia chegar ao meio. Àquele ilhéu de equilíbrio perfeito. De contos de fada e jaulas para anelídeos.
O cobertor já não servia para esconder as ideias espinhosas. Era um tudo ou nada que assustava. Um lacear, como bota de couro usada. Um ceder que não pertencia ao dicionário.
E naquele dia. Dia de tempestade lasciva, veio a revolta e as palavras temidas.
Era tempo decisões.
Afoga o orgulho, ensopa os pés.
Chegou a hora de atravessar.

17 febrero 2008

Alguns ajustes.

De repente, já eram cinco, seis, não sei.
Foi como se nunca tivesse saído dali. Não me tentem esconder. Eu sei que o tempo parou, que lhe deram um remédio daqueles que os bichinhos não comem. Embalsamaram-no, qual koala em montra de vidro, e mandaram-no esperar por mim. Paciente, parecia não querer andar.
Ainda há a mesma amiga cujos lábios continuam sujos de vinho. Ela ainda grita distorcidamente com frágeis beliscões, eu testei. Os calções continuam escondidos no casaco vermelho, com uma máquina do Paraguai e aventuras, daquelas só dela, desta vez em terras estrangeiras. Amarraram-lhe o braço ao peito mas ainda vai às manifestações. Assiste-as do café. O pior é cortar a carne.
Há aquele que cresceu com a história da depilação e do novo creme corporal. Ele lava a sua própria roupa, no seu humor característico, tão intrigado. Vão se casar, não há ainda data certa. O meu primeiro casamento.
Ele continua preso a este isolado país que não lhe pertence. Ele é do mundo e das viagens, dos cursos que os pais engolem, da música estranha, dos livros eruditos, dos beijos de entretenimento.
Há aqueles que não falam. Ou se falam, fazem silêncio. Há aqueles que continuam contratados pelas máquinas fotográficas para fazer rir. Que chegam, dão aquele abraço, e são família outra vez.
Agora havia uma diferença. Aquele tal rapaz. Que leva a mala, encontra a carteira e ajeita-me o cabelo. Que fala de música e filmes que ninguém entende. Que tem amigos com casas embebedadas.
Afinal o tempo não parou, precisou de pequenos ajustes. Poliu aqui, afinou ali.
Sinto que agora ele vai acelerar.

14 febrero 2008

11/02

“Perai, vou só reiniciar o computador”

Olha ao espelho. Olha de novo.
Muda de casaco. Ele não deve gostar desse.
- Apressa-te. Se calhar devias correr.
- Claro que não! Depois chego ofegante.
Nada sedutor.
- Então anda rápido, vá. Um computador não demora assim tanto a reiniciar.
(Vê-se as pernas a tremer)
- Eu imaginava isto com chuva. Assim perde todo o romantismo.
(cheesy)
- Ok. Agora é so reensaiar a frase. Como era mesmo? Eu deveria ter escrito num papel, que raiva. Aquela frase era mesmo boa.
- Vá lá, não sejas parva. É só um telefonema. Liga logo. Não estragues tudo.
- Espera. Arranja melhor o cabelo. Cobre as orelhas. Respira fundo.
(está a chamar)
- Como era mesmo que tínhamos combinado? Abraço ou beijinho?
- Cala-te. Isso é o que menos interessa.

08 febrero 2008

Casa

As palavras-sorriso usam perfume preto e branco, óculos espelhados e umas calças meio duvidosas. São feitas de manteiga, daquela para fazer os biscoitos da Ana Teresa.
São raras de encontrar. Muito bem cotadas no mercado coleccionador.
E lá vem uma covinha, um dente meio escurecido, um ténue inclinar da cabeça.
Valiosas, muito valiosas.
Não deixem que se desgastem. Se as encontrarem guardem-na numa redoma de momentos especiais. Não, corrijo: momentos extravagantes, singulares, esbanjadores. E nesse momento saboreiem o seu gosto a maresia amanhecida com pasta de dentes de hortelã. O seu gosto de banana com leite condensado e massa ao pequeno-almoço. Digam-na com todas as letras e deixem que o momento exclame uma interjeição de felicidade.
Um dia encontrei uma palavra, perdida num meio de um livro para pintar.
Guardei-a.
Ela implora-me por liberdade. Mas é sempre tão difícil quando o nosso filho mais velho sai de casa.
Prometo que não sou pedra, nem diamante valioso.
Mas se fosse médica, seria famosa e quem sabe me convidassem para os Óscares.
Mas assim sendo, vejo-os em casa, com cobertor e pipocas (salgadas).

06 febrero 2008

C

A barriga espremia-se num ranger que incomodava. Pela cabeça passavam filmes de terror e segredo eterno. Por que submeter-me a tamanha humilhação?
Berros de garganta arranhada. Corada de calor interno. Flamejante. Não sabia onde colocar todas as noites de lágrimas e frases atabalhoadas, as manhãs preguiçosas de bolhas que sangram nos pés.
A sensação de impotência. Ela falava, com o seu buço por fazer, da desintegração social dos pobres. Expressão feita. Tão oportuna. Também queria ter um bigode e as sobrancelhas desalinhadas, nunca ter tido namorado e voltar para casa por saudades da família.
Mas passou. Fiquei-me pelo que “pessoalmente, eu acredito” e pus uma roupa confortável. Sentia a sua cabeça a pensar melhor que a minha e as suas escolhas invejavelmente mais acertivas.
Eu era uma amadora.
Dizem que só os números podem ser pares ou ímpares. Mas eu não sou japonesa e sempre me dei melhor com letras. E esta letrinha, todos sabem que é impar.

Conheço uma boa esteticista, se quiseres dou-te a morada.

31 enero 2008

os cantos

Revolta-me, é claro.
Eles perseguem-me, colam-se à minha cabeça, avassalam a minha imaginação. Torturam-me com aqueles sussurros amolecidos e olhares afeminados.
Mas a vingança aproxima-se. Vem com o seu manto de liberdade, espalhando a inveja de sorriso malicioso.
Não há mal nenhum em tal costume. Os jovens têm mesmo essa função e os cantos não têm outra utilidade. Olho para o meu quarto. Recheado de cantos desabitados.
Quero ir. As minhas pernas mexem-se sem que eu mande nelas. As pernas também são pessoas. Inferiores aos braços, é claro. Mas valem-se a si mesmas.
Elas querem andar. Até onde for preciso.
Afinal aqueles cantos, coitadinhos, não podem continuar tão abandonados.

A senhora saiu

É branca, não há problema.
Vale só um Pai Nosso. Ou então uma Avé Maria, que ainda vale menos no bafo de vinho do padre curioso.
É como um dia de Inverno debaixo do cobertor e da página 153 do livro de lançamento. E toca o telefone. A empregada vem dizer, com pés de algodão, que amiga quer passar aqui. Talvez um chá com um bolinho, quem sabe. Só para pôr a conversa em dia. E ela, debaixo dos lençóis, com cara limpa de maquilhagem, diz no meio do cabelo desalinhado: “Diga que a Senhora saiu”.

30 enero 2008

Nut.

Estava com olheiras, coitado. O truque dos três lugares no avião não tinha sido suficiente para comportar tamanho dispêndio de energia.
Gosto de reparar como os seus olhos praticamente inexistentes brilham pela conexão transoceânica. Parece que a voz mudou, não sei. Já não me lembrava como eram bonitas as suas mãos. Hoje estão diferentes. Dinâmicas, controladas, com o ritmo de uma fila que virava o quarteirão.
Surreal Que grande noite.
Uma noite que durou um dia, ou mais. Foi uma vida e uma morte anunciada pela companhia telefónica. Foram choros e gritos e mensagens cheias de estrelas. Risos e gargalhadas derretidas. Carinhos electrónicos.
Mas depois chegou o electricista e a história mudou. Ele apareceu no meio dos olhares curiosos no metro e deu-lhes uma nota para a mão. Cortou a noite do aeroporto. Subornou as horas de sono. Já não interessava o comboio, o metro, a morte ou a ressurreiçao. Para que falar do público, dos gritos ou do mullet cor-de-rosa?
Ele veio lá de longe, do meio da neve, com a sua casa de guitarras e amigos estrangeiros. A discoteca foi na cozinha e o dinheiro não foi problema.
Abraçou-os. Contou dos pais, das viagens e como a esperteza vale mais que um diploma. Chamam-lhe Nut. “Now I understand why” disse o amigo que abusou do ginásio.

24 enero 2008

Elgydium

Às vezes tenho dificuldade em dizer certas palavras.
Apercebi-me disso hoje.
Talvez seja mais do que isso.
Sinto que as palavras não podem expressar realmente aquilo que sentimos. Essa tal palavra. Aquele cliché que vem no fim do sms e que até tem abreviatura. (Será que quando vem abreviada é porque o sentimento também abreviou? Será que a escolha do “s” ou do “x” faz alguma diferença?)
A abreviatura consonântica que me faz ranger os dentes. Porque dizê-la sempre no fim da conversa, como ritual sagrado e vazio?
Não quero ser o Garra anti-sistema, anti regras sociais pré-estabelecidas. Quero perceber se aquela sensação de frescura, de publicidade televisiva com direito a seguro para os dentes, é o significado deste cliché tão cibernético.
A palavra leva consigo aquele gostinho remanescente a hortelã? O apertar que não deixa marcas? O bico que não entope?
Porque se sim, e se o mundo estiver do meu lado, descobri finalmente o significado de mais um cliché detestável.
E deixo-o aqui, bem no fim deste post.
Sdds

22 enero 2008

Caixeiro Viajante

Narizes empinados no ar congelado dos espelhos. Labirintos de andares interrompidos e salas ocultas. O balançar embala o estômago satisfeito e faz o sol embelezar melhor.
Não caias, segura. Apoia-te a mim. Não há problema, estamos todos num desmoronar de camera lenta. O monumento do nosso orgulho desaba aos poucos, como prédio de Veneza inundado. Imagem patética.
Queria ser caixeiro-viajante. E ser feliz. Absorver as cores do Tango e as mãos que saem da areia, dizer um bom giorno e um buon dia e causar sorrisos derretidos. Estão a cair os muros e eu só precisava de um pouquinho mais de cimento.
Não é mão-de-obra que falta, não. É dificuldade de equilíbrio no abanar do navio em alto mar. São 3mil pessoas. Só uma se aguenta.
O comandante fala um italiano tímido e diz por trás da sua fortaleza. Eu consegui. O balançar não me afecta mais.
Jornalistas, atentem! Preparem já o lead e punch final. O título é obvio.
“Caixeiro-viajante: a profissão do futuro”

09 enero 2008

precariamente Noite

Noite.
Noite vagabunda, irresponsável, secreta.
Vivo e respiro para ela. Para aqueles arrepios escondidos debaixo do cobertor. A luz artificial que faz brilhar os momentos históricos de revelações estonteantes. O zumbido constante intercalados com o soluçar da máquina. Melodia nostálgica de situações precárias.
Os minutos arrastam-se no seu vagar preguiçoso. As horas, diamantes lapidados na perfeição. Vem, chega rápido. Pingos de águas caem do tecto e a tortura começa a ensandecer-me.
Já está quase ai, tem calma.
Imagino, com sorriso desbotado a pauta do dia. As risadas e as trevas, o esconder e o proibido. Talvez um ensaio do grande clímax. Não, talvez precise arranjar o cabelo, ou aprontar o quarto.
O melhor é ver se está tudo a funcionar.
Já vejo estrelas.
Parece que hoje não haverá Noite.

04 enero 2008

pensamento rebelde

É como se de repente a corda se rompesse, o vidro rachasse e a cegonha caísse.
A voz se exalta e o ardor dos olhos começa a incomodar.
Já não há como discorrer pensamentos neste raciocínio travado. A cabeça respira um batimento cardíaco nervoso e a boca contém-se, costurada pela educação de anos.
Dizem que nos podam. Eu diria que costuram as nossas acções.
Pensamento rebelde, arisco, matreiro. Mas na hora, no xis do momento em que o timbre irá ousar e a língua se sujar, a boca retrai-se com o sal da água. Resseca, foge, esconde-se entre os dentes de cáries de doces comidos às escondidas.
E ai surge o sorriso esmaltado. O brilho cínico. “É melhor reflectires”.
Mais uma vez de volta aos pensamentos.
Desperdiçaste a tua chance.
Cobarde.

Sim

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.

Ricardo Reis