Tenho o sapato gasto e o gravador sem pilhas. O caderno acabou e a caneta ficou sem tinta. Tenho o bolso vazio, a cabeça com histórias e as pálpebras a fechar. Dói-me o cansaço, os sonhos e o futuro de folhas brancas por escrever.
Quero ser assim. Como eles.
Levar a vida de horas desconexas, falar do ministro como o gato de estimação, entender os problemas do senhor analfabeto e explica-los ao senhor presidente.
Sair e respirar noticias.
Quero falar, conhecer e descobrir. Quero fechar os olhos e escutar teclas, teclas atrás de teclas, numa música apresada de ritmo desfasado. Quero crescer e não me preocupar mais com a ecologia. Mergulhar-me em papéis. Pilhas de papel não reciclado com notinhas em gatafunho de caneta bic azul.
Quero comprar mensalmente packs de canetas bic.
E depois dizem que a paixão não serve. Nem a força de vontade. Falam da crise, da crise e da crise. Fazem delete em todas as linhas que já tinha começado a escrever nas folhas brancas do meu futuro. Enquanto isso vou comprando sapatos. Para quando chegar o momento em que gastar as solas vire uma rotina.
19 febrero 2009
06 febrero 2009
"Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu."
Nuno Júdice
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu."
Nuno Júdice
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