Olhávamo-nos com olhar acostumado. Com remelas nos olhos e bocejo na boca. Criticávamos cada gesto, cada acção, cada tropeço em quem éramos realmente.
Não era amor.
Era uma tarde de inverno a ver filmes pirata e a comer pizzas de ananás. Eram dois telemóveis desligados. Uma música e uma guitarra. Eram massagens nos pés e exposições de domingo. Pequenos-almoços madrugadores. Um beijo na ponta do nariz.
Não era amor. Era melhor.
E então transformámo-nos naquela velha televisão que, mesmo desligada, continua a fazer um zumbido constante. Num gira-discos estragado. Naquele Tolstoi que nunca nos atreveremos a acabar. Somos o lixo do que soubemos ser, os restos daquele que deveria ter sido um final feliz.
Porque o fim nunca é bom. Se fosse bom, seria o começo.
06 diciembre 2009
02 diciembre 2009
Mesmo quando não escrevo
Então escreve.
Fecha os olhos, respira fundo e deixa as palavras apoderarem-se de ti. Desenha com elas um piscar de olho cúmplice, um esboçar de um sorriso, uma risadinha matreira. Faz das palavras um ecstasy barato, vicia-os, hipnotiza-os para o segundo parágrafo, o terceiro, o quarto.
Conta-lhes uma história, daquelas fáceis e universais, daquelas que basta substituir o nome para que sejamos nós os protagonistas, das que se tivéssemos o telefone, simplesmente marcaríamos o número, sem pensar mais. Conta-lhes histórias felizes, porque é mentira que o povo gosta de desgraças. O povo gosta de sentir. Mas é mais fácil causar emoções negativas.
Então escreve e narra histórias felizes, apoia causas sociais, constrói a proximidade, ganha o leitor. Diz-lhe o que quer ouvir, mas nem sempre, e quando não, di-lo com jeitinho, com graça, com a humildade de um mero informador. E denuncia, mas não por ti, nem pelo teu nome citado em todas as partes. Vai, escava, desce ao buraco, conquista a fonte e no fim põe na balança. Pergunta-te se o fazes pelo teu ego ou se ajudarás a vida de alguém. Pergunta-te se essa raivinha residual que foste criando contra aquele personagem está a influenciar-te (a resposta será, irremediavelmente, sim). Pergunta, pergunta sempre, porque afinal, isso é o que melhor sabes fazer.
E se já ganhaste o leitor, agarra-te a ele como a cura para a sida. Não o deixes escapar. Cuida o ritmo, atenção às aspas, pontuação correcta e nada de rimas. Não ponhas palavras difíceis, por favor, não. Poupa-nos também daquelas expressões muleta. O leitor agradece.
E agora que estamos a chegar ao final, que já lhe cansámos a vista e aumentamos os índices de leitura, não o abandones assim. Ele espera mais que um “concluí” ou “finaliza”. Ele merece mais. Então escreve e dá-he uma punch line, daquelas redondinhas que fazem rir, gritar, engolir o choro e estremecer. Tudo, para que ao fim de três minutos, ele tenha vontade de virar a página e seguir em frente.
“Por favor, Marina, coño, no dejes de escribir”, dizia o mail de hoje.
E então eu escrevo. Mesmo quando não escrevo.
Fecha os olhos, respira fundo e deixa as palavras apoderarem-se de ti. Desenha com elas um piscar de olho cúmplice, um esboçar de um sorriso, uma risadinha matreira. Faz das palavras um ecstasy barato, vicia-os, hipnotiza-os para o segundo parágrafo, o terceiro, o quarto.
Conta-lhes uma história, daquelas fáceis e universais, daquelas que basta substituir o nome para que sejamos nós os protagonistas, das que se tivéssemos o telefone, simplesmente marcaríamos o número, sem pensar mais. Conta-lhes histórias felizes, porque é mentira que o povo gosta de desgraças. O povo gosta de sentir. Mas é mais fácil causar emoções negativas.
Então escreve e narra histórias felizes, apoia causas sociais, constrói a proximidade, ganha o leitor. Diz-lhe o que quer ouvir, mas nem sempre, e quando não, di-lo com jeitinho, com graça, com a humildade de um mero informador. E denuncia, mas não por ti, nem pelo teu nome citado em todas as partes. Vai, escava, desce ao buraco, conquista a fonte e no fim põe na balança. Pergunta-te se o fazes pelo teu ego ou se ajudarás a vida de alguém. Pergunta-te se essa raivinha residual que foste criando contra aquele personagem está a influenciar-te (a resposta será, irremediavelmente, sim). Pergunta, pergunta sempre, porque afinal, isso é o que melhor sabes fazer.
E se já ganhaste o leitor, agarra-te a ele como a cura para a sida. Não o deixes escapar. Cuida o ritmo, atenção às aspas, pontuação correcta e nada de rimas. Não ponhas palavras difíceis, por favor, não. Poupa-nos também daquelas expressões muleta. O leitor agradece.
E agora que estamos a chegar ao final, que já lhe cansámos a vista e aumentamos os índices de leitura, não o abandones assim. Ele espera mais que um “concluí” ou “finaliza”. Ele merece mais. Então escreve e dá-he uma punch line, daquelas redondinhas que fazem rir, gritar, engolir o choro e estremecer. Tudo, para que ao fim de três minutos, ele tenha vontade de virar a página e seguir em frente.
“Por favor, Marina, coño, no dejes de escribir”, dizia o mail de hoje.
E então eu escrevo. Mesmo quando não escrevo.
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