22 junio 2010

Ama e senhora

Disseste-me que não podia ter saudades tuas. E eu não gostei. Não gostei nada, tsss, tsss.
Porque sou menina expatriada, imigrante de profissão. Sou cidadã do mundo com pós doutorado em lágrimas de despedida. Sou ama e senhora da saudade. E o que esse teu espírito livre e caprichoso não te deixa ver é que saudade é coisa boa. Saudade come-se ao pequeno-almoço molhado no leite e faz-nos sorrir quando na rádio toca determinada música. Uma espanholada, sei lá.
Nessa tua cabeça de pessoa moderna e soberana, saudade é dependência. E isso te faz tão pequeno, tão mesquinho, tão egoísta. Tantas coisas que podias não ter sido. E tal como eu não consigo evitar essa saudade com gosto de cerejas, tu tampouco sabes olhar-me sem essa tua superioridade automática de quem acha que a vida é o que a nossa cabeça pensa dela. Uma vez mais erraste. Não sei porque o digo. Tu jamais aceitarás essa crítica, como nunca aceitaste qualquer outra, dirás que tudo isto é mais um capricho de uma menina pequena. E já agora, juntado a fama ao proveito, tenho de te dizer que apesar das tuas sábias recomendações,
eu tive e tenho saudades tuas.
Língua de fora, bate o pé no chão e vira as costas, a menina amuada.

16 junio 2010

Variações

Conheço bem aquele sorriso. Aquele sorriso e as suas variações. Houve aquele que fizeste no dia das tesouras do Eduardo abraçadas num sofá de improviso. E o que veio um pouco mais tarde, com um amanhecer não dormido de gosto ácido a tangerina. Esse parecia-se ao daquele concerto dos sapatos perdidos e encontrados. Lembras-te? Mas falando de concerto, que conste que o outro, o dos aplausos em pé de satisfação, foi um sorriso diferente, mais calmo, mais profundo. Com gosto a café.
Claro que tampouco vale compra-lo ao que gastaste e gastaste no dia dos ciganos à beira mar. Mas isso, mais do que um sorriso, foi uma história.
É que esse teu sorriso, o famoso, também tem a variação que estreaste com sotaque do norte, entre uma guitarra e um jardim. E horas mais tarde, comendo bombas calóricas com um toquesinho de picante. Depois há também o seu primo, o das mochilas às costas. Mas aí é jogo sujo. Que esse tem vantagem competitiva.
Até que outro dia conheci uma nova variação. Vinha com um brilho diferente nos olhos, uma bochecha meio corada, com a covinha a querer mostrar-se. Tinha cheiro a novidade, a perfume de flores e abraços apertados de êxtase. Tinha som de música indie escutada e discutida em quilómetros de costa e auto-estrada. Tinha sabor a sol e naturalidade. A noites sem dormir pelas avenidas dos eléctricos. Era uma nova variação daquele meu velho e conhecido sorriso. Mas essa, pela primeira vez, não era para mim.