Escrevi no silêncio o que não tive coragem de falar.
Tu leste-o e agora perguntas-me,
“O que isso quer dizer?”
Eu respondo-te que o que foi emudecido por aí seguirá.
Argumentas então que sem som não há palavras.
E eu grito-te:
“Shhhiiuuu”.
31 marzo 2009
26 marzo 2009
Preciso de uma chave.
A que engolimos naquele dia de verão.
No dia em que caminhávamos com as costas pesadas, o cabelo oleoso e as unhas dos pés sujas. O dia em que não paravas de falar. Em que me contavas histórias de fazer rir e aquelas que me levavam a viajar por sonhos distantes de mãos dadas e pés entrelaçados por baixo da areia de praia. Glup.
O cadeado é um labirinto sem fim. Em que a cada passo há um abismo, a cada obstáculo, um suspiro.
E de pensar que eu já tive essa chave. Era só ter feito click.
A que engolimos naquele dia de verão.
No dia em que caminhávamos com as costas pesadas, o cabelo oleoso e as unhas dos pés sujas. O dia em que não paravas de falar. Em que me contavas histórias de fazer rir e aquelas que me levavam a viajar por sonhos distantes de mãos dadas e pés entrelaçados por baixo da areia de praia. Glup.
O cadeado é um labirinto sem fim. Em que a cada passo há um abismo, a cada obstáculo, um suspiro.
E de pensar que eu já tive essa chave. Era só ter feito click.
25 marzo 2009
O baralho de cartas
Éramos muitos. Falávamos como se fossemos o mesmo, numa complementaridade de defeitos que culminava em caretas de aborrecimento. No fundo, éramos um. E isso incomodava-nos.
No ar sentia-se uma aura de plenitude que se exaltava pelo meio dos dedos entrelaçados, dos olhares cúmplices, da cabeça que, lentamente, se inclinava sobre um ombro mais distraído.
Passeávamos por conversas esquecidas na gaveta, opiniões contraditórias de berros e insultos e carinhos de vermelho corado.
Fingíamo-nos frios, distantes. Intelectuais urbanos com sede de informação. Éramos pequenos, frágeis e estávamos a jogar os quartos de final das partidas de cartas que nos habituámos a começar sempre que uma noite corria mal. Agora tudo estava entrilhado. E, como o previsto, as cartas chegavam quase ao fim.
Mas com o baralho, nunca se sabe.
No ar sentia-se uma aura de plenitude que se exaltava pelo meio dos dedos entrelaçados, dos olhares cúmplices, da cabeça que, lentamente, se inclinava sobre um ombro mais distraído.
Passeávamos por conversas esquecidas na gaveta, opiniões contraditórias de berros e insultos e carinhos de vermelho corado.
Fingíamo-nos frios, distantes. Intelectuais urbanos com sede de informação. Éramos pequenos, frágeis e estávamos a jogar os quartos de final das partidas de cartas que nos habituámos a começar sempre que uma noite corria mal. Agora tudo estava entrilhado. E, como o previsto, as cartas chegavam quase ao fim.
Mas com o baralho, nunca se sabe.
17 marzo 2009
Fechei os olhos e, sem querer, senti-me mais perto de mim.
Sou o fruto cansaço e das conversas de olhares roubados.
Sou aquilo que me mandam ser, empacotada em vinte quilos de bagagem sem liquidos.
Mas agora, pensando bem, apeteceu-me voltar atrás. Cerrar devagarinho as pestanas para todas que encaixem bem e não embaciem a paisagem.
Sou aquela que vejo de olhos espectantes perdida na escuridão.
Sou o fruto cansaço e das conversas de olhares roubados.
Sou aquilo que me mandam ser, empacotada em vinte quilos de bagagem sem liquidos.
Mas agora, pensando bem, apeteceu-me voltar atrás. Cerrar devagarinho as pestanas para todas que encaixem bem e não embaciem a paisagem.
Sou aquela que vejo de olhos espectantes perdida na escuridão.
08 marzo 2009
Cera de ouvido
Quis falar e não encontrei ouvidos. Quis dizer, mas calei. Quis fazer e desfiz.
Porque tive medo de errar. Outra vez.
Estava de língua grande, cabeça cheia e voz solta. Prendi-a.
Ficou a espreitar do muro, assustadiça, à espera da hora certa. Não chegou.
Tentei fazer o pino, virar o mundo ao contrário. Pôr uma cabeleira colorida e um chapéu pontiagudo. Não funcionou.
Vi um drama pouco dramático e li um livro pouco descritivo. Busquei inspiração em letras coloridas. Não chegou.
Decididamente, hoje o dia não está para mim: os ouvidos têm todos demasiada cera.
Porque tive medo de errar. Outra vez.
Estava de língua grande, cabeça cheia e voz solta. Prendi-a.
Ficou a espreitar do muro, assustadiça, à espera da hora certa. Não chegou.
Tentei fazer o pino, virar o mundo ao contrário. Pôr uma cabeleira colorida e um chapéu pontiagudo. Não funcionou.
Vi um drama pouco dramático e li um livro pouco descritivo. Busquei inspiração em letras coloridas. Não chegou.
Decididamente, hoje o dia não está para mim: os ouvidos têm todos demasiada cera.
07 marzo 2009
Desfazer-me de mim
Sinto o peso do mundo nas costas, no pescoço e a fazer pressão na parte de trás da minha cabeça. Sinto-me pesada.
Vejo os meus passos cada vez mais lentos, arrastados, em busca de um banco para se sentarem. Resisto. E cada palavra, uma pequena faca sangrenta, uma gota menos nos litros que sangue que não me deixam doar. Preciso desfazer-me de mim. Comprar um outro eu em segunda mão. Um eu que tenha menos defeitos, menos calos da vida, cores mais brilhantes e certezas. Acima de tudo, certezas.
Vou à feira da ladra e, em desepero, procuro-me. Entre camisas velhas, roupa suja e vídeos usados. Eu estarei por ali, algures. É só procurar. Acabo por comprar um livro. Para não admitir o fracasso. E, de mansinho, desisto.
Queria ser forte e musculada, mas fizeram-me débil, de saúde instável e cabeça pensativa. Daquelas que não se calam. Chega o dia em que não aguento mais engolir. Esforço-me, mas e o meu corpo regurgita.
“Não devias ter dito isso”, respondem-me. E eu engulo-o. Outra vez. Mais uma vez.
Então hoje resolvi voltar à feira da ladra.
Quem sabe tenha mais sorte.
Vejo os meus passos cada vez mais lentos, arrastados, em busca de um banco para se sentarem. Resisto. E cada palavra, uma pequena faca sangrenta, uma gota menos nos litros que sangue que não me deixam doar. Preciso desfazer-me de mim. Comprar um outro eu em segunda mão. Um eu que tenha menos defeitos, menos calos da vida, cores mais brilhantes e certezas. Acima de tudo, certezas.
Vou à feira da ladra e, em desepero, procuro-me. Entre camisas velhas, roupa suja e vídeos usados. Eu estarei por ali, algures. É só procurar. Acabo por comprar um livro. Para não admitir o fracasso. E, de mansinho, desisto.
Queria ser forte e musculada, mas fizeram-me débil, de saúde instável e cabeça pensativa. Daquelas que não se calam. Chega o dia em que não aguento mais engolir. Esforço-me, mas e o meu corpo regurgita.
“Não devias ter dito isso”, respondem-me. E eu engulo-o. Outra vez. Mais uma vez.
Então hoje resolvi voltar à feira da ladra.
Quem sabe tenha mais sorte.
06 marzo 2009
A Mosca
Quero ter visão estroboscópica. Que a minha fonte de luz se interrompa e eu vá formando o movimento a preto e branco. Aos poucos. Ao meu tempo.
Quero poder dizer que ninguém nunca me vai apanhar. Quero saber fugir, contornar, antecipar. Vou voar e arriscar-me. Sem medo.
Serei mais um anfíbio. Eu sei. Mas com uma encantadora vida pela frente.
Serei poderosa, temida. Se pousar na comida, infecto-a, se adoentar-me propago.
Poderei dizer que fui alguém, que mereci viver, que ajudei a sociedade, que curei a gangrena.
Gostarei de carne morta, já o sei, mas não esconderei essa predilecção. Comerei os defuntos. Como os bichinhos. Serei usada na pesca e na medicina. Tornar-me-ei famosa e ganharei prémios.
E quando me tentarem apanhar, não poderão. Serei mais rápida e jogarei com uma vantagem: terei, finalmente, uma visão de 360º. Tu, comum mortal, só terás 50.
Passado um mês estarei cansada e, heroicamente, deixar-me-ei apanhar, apenas como um acto de compaixão. Para dar alegria àqueles que não conhecem a glorias. Escrever-se-ão livros sobre mim. E as crianças pedirão uma visão estroboscópica para o Natal.
Quero poder dizer que ninguém nunca me vai apanhar. Quero saber fugir, contornar, antecipar. Vou voar e arriscar-me. Sem medo.
Serei mais um anfíbio. Eu sei. Mas com uma encantadora vida pela frente.
Serei poderosa, temida. Se pousar na comida, infecto-a, se adoentar-me propago.
Poderei dizer que fui alguém, que mereci viver, que ajudei a sociedade, que curei a gangrena.
Gostarei de carne morta, já o sei, mas não esconderei essa predilecção. Comerei os defuntos. Como os bichinhos. Serei usada na pesca e na medicina. Tornar-me-ei famosa e ganharei prémios.
E quando me tentarem apanhar, não poderão. Serei mais rápida e jogarei com uma vantagem: terei, finalmente, uma visão de 360º. Tu, comum mortal, só terás 50.
Passado um mês estarei cansada e, heroicamente, deixar-me-ei apanhar, apenas como um acto de compaixão. Para dar alegria àqueles que não conhecem a glorias. Escrever-se-ão livros sobre mim. E as crianças pedirão uma visão estroboscópica para o Natal.
03 marzo 2009
Casa de florista
Saímos de carro azul e tanque cheio, o jantar num saco e um mundo de CDs.
As histórias vinham com dores nos pés, redacções stressadas, entrevistas de rua. Tinham cor de semana de sol e um sorriso impossível de costurar.
As horas passaram animadas e acabaram com um passeio nocturno à beira mar. Eu tinha, finalmente, chegado.
Por ali ainda havia aquele perfume de casa de florista, aquela luz rosada com ar de cinema europeu. Por ali eu continuava a ser aquela menina mimada que fui um dia, aquela amiga sem preocupações, aquela risada mais alta que aguenta a noite toda sem cansar. E eu assim fui. Só para não desiludir.
Esperavam-me confissões, amigos e histórias não contadas. Noites de abraços apertados, de olhares de cumplicidade, de comentários que só a língua mãe pode entender.
E, de repente, já tinha acabado. O carro azul conduzia-nos mais uma vez por estradas bilingues. Na cabeça navegavam conversas de palavras não ditas e outras em que se falou demais, corriam memórias fotográficas daquele olhar, aquela palavra. Por momentos hesitei.
Mas agora olho pela janela e vejo o carro azul parado em frente à casa. Percebo, então, que aí é o seu lugar. Á espera de novas viagens.
As histórias vinham com dores nos pés, redacções stressadas, entrevistas de rua. Tinham cor de semana de sol e um sorriso impossível de costurar.
As horas passaram animadas e acabaram com um passeio nocturno à beira mar. Eu tinha, finalmente, chegado.
Por ali ainda havia aquele perfume de casa de florista, aquela luz rosada com ar de cinema europeu. Por ali eu continuava a ser aquela menina mimada que fui um dia, aquela amiga sem preocupações, aquela risada mais alta que aguenta a noite toda sem cansar. E eu assim fui. Só para não desiludir.
Esperavam-me confissões, amigos e histórias não contadas. Noites de abraços apertados, de olhares de cumplicidade, de comentários que só a língua mãe pode entender.
E, de repente, já tinha acabado. O carro azul conduzia-nos mais uma vez por estradas bilingues. Na cabeça navegavam conversas de palavras não ditas e outras em que se falou demais, corriam memórias fotográficas daquele olhar, aquela palavra. Por momentos hesitei.
Mas agora olho pela janela e vejo o carro azul parado em frente à casa. Percebo, então, que aí é o seu lugar. Á espera de novas viagens.
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