19 noviembre 2006

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A cadeira estava fria e sentia-se o zumbir do esquentador branco do canto da sala que se esforçava, honestamente, em desempenhar bem a sua função. Resmas de folhas escritas, sublinhadas, rasuradas e reescritas. Quilos de livros e marcadores verdes; olhos frenéticos e ouvidos expectantes.
A espera mata.
Cada espasmo muscular, cada tentativa falhada de concentração, cada gota de suor retida sempre que a porta se abria e não, o cabelo não era branco.
Chega com um sorriso e um olhar confidente (a perna começou a tremer). De coração disparado e agora, oficialmente, sem coordenação motora, a voz torna-se incontrolável e fala por si só numa língua que não pode comunicar e tudo o que sabe fazer é sorrir enquanto articula mecanicamente sons universais.
Vinte e sete, afirmou
Afinal, ela usou dez anos de aparelho nos dentes, disse a professora para si mesmo.

18 noviembre 2006

nacionalidades.

Ninguém é amigo de ninguém. São pessoas estranhas e simpáticas que falam e riem numa sinfonia de disparidades e diferenças que teima em revelar-se. Discutem lugares comuns e gostam da mesma música. Partilham pipocas e às vezes o mesmo cobertor. Ninguém arrisca assuntos polémicos e situações delicadas, ninguém ousa uma conversa mais séria, nem uma história dramática. São só seis meses.
É certo que todos somos interesseiros. Cada um tem o seu horário e as pessoas vão e vêm enquanto a conversa se desenvolve com a ajuda do álcool, do café e da comida (como é boa a comida). O americano que lima as unhas e a francesa que conta sempre as mesmas histórias. A inglesa que está acima do peso e o grego que está apaixonado pela alemã. Também ouviste dizer que o japonês agora anda com a israelita?

12 noviembre 2006

Fazia calor.

Não havia luz e fazia frio.
As pessoas fumavam freneticamente na pequena janela daquele sótão poeirento e ensaboado, onde soava uma música inaudível e os copos derramavam-se voluntariamente no chão (juntando-se às solas dos sapatos e às calças de ganga novas).
Salutavam-se e sorriram com sacos de supermercado cheios de bebida amarga e guloseimas calóricas. Abraçavam-se e conversavam num ritmo alucinante que o bater da roupa suja não conseguia acompanhar. Eram caras estranhas e línguas misturadas, eram penetras e amigos do peito, eram sacos e mais sacos de supermercado.
Faz calor.
Caras rosadas, caminhos tortuosos, espontaneidade directa, dor de barriga de tanto rir. Copos de plástico e misturas perturbadoras que nos faziam voar por alguns momentos enquanto procurávamos um braço amigo e apoiante. A mão formigava e as escadas eram torturantes.
Rir. Não sabia que o mundo era tão divertido e que caminhar era assim tão estonteante. Não sabia que o tempo passava tão depressa e que aquele sumo, afinal, era um pouco amargo demais.
Dá-me um abraço apertado, disseram. Caí. (era apertado demais).

10 noviembre 2006

atrasada.

Eu ouvi-o tocar, a sério que ouvi.
Os olhos teimaram em não abrir e o tacto entrou a todo o gás em busca do odiado objecto gelado e vibrante. Aquela música, já estranhamente familiar, embalava-me e fazia-me sonhar criando sinesteticamente cores e sensações que invadiam a cabeça e dilatavam-se no corpo num misto de responsabilidade e preguiça.
É no botão do meio (sabia-o secretamente).
Só mais um pouco, só mais um minuto. É fácil convencer-me de que os olhos necessitam de tempo para adaptar-se ao escuro vibrante do quarto silencioso. Fácil demais.
De repente uma luz. O coração dispara com sincera esperança de que o tempo tenha parado. A preguiça venceu e o tempo voou. Dia perdido, disse de mim para mim.

09 noviembre 2006

rugas do futuro

Um veneno aqui, outro ali; uma piada mais maldosa, um sorriso mais forçado e começam as separações. Do casamento perfeito, sorridente, interesseiro e solidário, surgem os filhos e as discórdias. As reviravoltas nos olhares, os músculos contraídos, as rugas do futuro.
Não me queria casar, já tinha avisado. Impossivel. A pressão é muito grande, todos perguntam, pedem, exigem incessantemente a aliança no dedo e o compromisso eterno. Como ovelha branquinha, lancei o buquet para nenhures e apostei no caminho mais difícil. Farejei mais uma vez. Instinto.
De passado duvidoso de drogas, álcool, teatro e boinas pretas. De presente assustador e irritadiço onde quem fala mais alto é quem ganha e onde as certezas chovem e inundam as praças vazias plenas de cheques rasgados. De futuro, só um sonho.
Amizade interesseira, disse para mim mesma.
Uma criança mimada e birrenta que chora todas a manhãs e grita por socorro. Um filho pequenino e estridente que põe um fecho éclair na boca mal lhe digas que não. Um bebé amuado que se gaba das suas ideias vanguardistas e faz queixinhas se não o deixamos ser o super herói da festa.
Por favor não apanhem aquele buquet... Era tudo uma farsa. Não comas as flores, tinham veneno.

08 noviembre 2006

Cinquenta.

Começou cedo.
O tom polifónico e vibrante resultou em olhos esbugalhados e num rápido rolar da cama, marcando, assim, oficialmente o início daquele dia de lençóis e fantasia, de sprays e musica alta, de polícia, dança e álcool.
O mundo parecia estar nas nossas mãos, podíamos matar o Elvis, fumar com a Marlyn, retornar à idade da pedra, viajar até ao glamour dos anos 50. Podíamos ser nós mesmos ou esconder-nos por trás da barba do Sadam. Podíamos votar nos nossos amigos, fazer trapaça pelos que mais gostávamos ou criticar aqueles não sabem fugir do quotidiano.
O calhambeque beep-beep exibia-se durante o summer jam enquanto todos admiravam a camisa nera do DJ bombado que cantava Frank Sinatra.
Foi um sucesso de flashes fotográficos e entrevistas no tapete vermelho. Uma chuva de whisky e pisadas nos pés, de maridos que dormiam e casais que insistiam em dançar a valsa.
O samba não dá para dançar descalço e a Julieta não pode dançar a Macarena. Raios partam os polícias que têm inveja das festas.
Mas cinquenta são cinquenta e a quem os fez ninguém os tira. E afinal, a Academia de Policia 3 que chegou atrasada à festa do cinema conseguiu apenas um autógrafo do Sean Conery e uma contribuição para uns 50 mais historiantes.

03 noviembre 2006

velhinha sensata

Tinha sido preso. Contou-me tudo com um sorriso estridente de roupas largas, que combinava com os seus olhos desusadamente sobressalientes e discurso carinhosamente cuidado. É estranho como ele se casava bem com as montanhas, com as folhas caídas e com o friozinho de fim de tarde. Olha como ele canta (mas os homens não cantam!), fala, confessa e chama-me nomes que nunca permiti a mais ninguém fazê-lo.
Mas ele tinha chorado. Descoberto no meio da sua fumaça, atraiçoado pela crença na língua universal e munido do seu mais duro orgulho, entregou-se às grades e chorou. Talvez as suas lágrimas não sejam tão salgadas como as outras, talvez ele seja um crocodilo de água doce e olhos vermelhos, que chora de prazer depois da refeição. Não sei.
Passada a angústia, a linguagem cerimoniosa, o dinheiro desperdiçado e uma noite sem dormir a velhinha religiosa decidiu nunca mais juntar jovens estrangeiros às suas imagens da Virgem Santa. Velhinha sensata, disseram os polícias friorentos.

02 noviembre 2006

palavras cobardes

É tão dificil por-te em palavras.
Tenho vontade de te esconder, levar-te para bem longe para que mais ninguém possa olhar para ti. Queria contemplar-te sem horas, ver-te sem barulho, sentir-te sem distúrbios.
Morram os relógios, os pêndulos, o sol. Morram os números.
Correr e não parar. Encontrar um pequeno refúgio, um mínimo sustento, um ínfimo espaço, um insignificante lugar onde eu e tu, onde nós.
Tu não tens nome, não sei sequer tua cara. Ás vezes, enquanto passeio, encontro o teu perfume e sorrio. Ás vezes vejo-te nalguns olhos, sinto-te nalguns distúrbios sonoros.
Orgulho-me de nós.
Na verdade, criámos um mundo nosso, uma bolha de sabão, um pedaço de um sonho, uma palavra proibida, uma nota musical. Vivemos aí, longe de tudo e perto de nós. Numa janela semi-cerrada, para que o ar possa passar. Gritamos juras de amor, de confiança e de carinho eterno.
Palavras.
Elas nadam com a maré e passeiam pelo vento. Elas fogem. Cobardes, palavras, cobardes!
O sentimento desvaneceu-se, a palavra voou para outra boca, o olhar fugiu de mim. E agora digo-te que sei que nada do que escrevi faz sentido. Eu sei, desculpa, é muito difícil escrever-te.