Está tão perto.
Vejo-o ali, depois do terceiro buraco à esquerda. Cuidado para não cair.
Está tão perto que me suga como um aspirador de folhas das experiências científicas. Olha-me com um sorriso tentador. Uma prostituta eterna.
Vicias-me em ti e nas tuas promessas de amanhã. De uma vida passada que foi e não volta e que afinal não era assim tão apetitosa como o bolinho de carne e o molho de tomate. Ou talvez fosse até melhor. Um melhor mais açucarado, com mais gosto de uma cozinha de calorias baixas e bolachas integrais com água.
Tentas-me como se de um sonho de tratasse. Como se a cortina laranja e as almofadas coloridas me trouxessem um conforto extraviado que na verdade de perdeu na indelével inconsistência da plenitude.
Pára de me enganar seu chulo comedor de mentes.
Eu bem sei que não estas assim tão perto.
Ainda faltam alcançar muitos longes pra esse perto se aproximar.
A prefeitura diz que fecha 553 mil buracos por ano.
Vem daí a fama dos políticos
28 diciembre 2007
27 diciembre 2007
rolha de Natal
Todos temos aquele primo que está acima do peso e o outro que nunca se deu bem na escola. O anti-social e o que todos suspeitam (ou já suspeitaram) ser gay. Aquela tia que quando éramos pequenos dos dava os melhores presentes e chocolates e que agora “pois, está bem”. O tio afastado que nos faz rir e pensar “quem sabe eu tenha alguns dos seus genes”.
Não dá para evitar aquele pai que conta sempre as mesmas histórias e que queríamos tanto que tivesse rebolado mais connosco na relva. Uma mãe menos espalhafatosa, um irmão que fosse um pouquinho menos genial.
Não há como maquilhar.
Mas há um dia. Um dia só - que às vezes se traduz em alguns segundos fugazes - em que não trocávamos por nada os erros de português da avó estrangeira, nem as risadas barulhentas da prima do tio que veio por acaso. É nesse dia, no meio dos doces desmilinguidos e dos cacos de vidro no chão, que os oito mil quilómetros compensam. Culminam numa euforia de presentes, videogames antigos, de pistas, elogios e quilos de flashes fotográficos.
Este ano, levei com a rolha do champanhe na cabeça. Dizem que dá boa sorte. Eu digo que é mais um galo a cantar de madrugada.
Não dá para evitar aquele pai que conta sempre as mesmas histórias e que queríamos tanto que tivesse rebolado mais connosco na relva. Uma mãe menos espalhafatosa, um irmão que fosse um pouquinho menos genial.
Não há como maquilhar.
Mas há um dia. Um dia só - que às vezes se traduz em alguns segundos fugazes - em que não trocávamos por nada os erros de português da avó estrangeira, nem as risadas barulhentas da prima do tio que veio por acaso. É nesse dia, no meio dos doces desmilinguidos e dos cacos de vidro no chão, que os oito mil quilómetros compensam. Culminam numa euforia de presentes, videogames antigos, de pistas, elogios e quilos de flashes fotográficos.
Este ano, levei com a rolha do champanhe na cabeça. Dizem que dá boa sorte. Eu digo que é mais um galo a cantar de madrugada.
20 diciembre 2007
19 diciembre 2007
não estavas...
Acordei com os ponteiros ao contrário. O horário media umas horas estranhas e as ramelas desprendiam-se so-no-len-ta-men-te do cantinho dos olhos. Caiam águas despertadas na almofada e aquele grito de pássaro denunciava o sol. Quando abri os olhos vi fantasmas a passearem-se no quarto. Falavam comigo na língua das preguiças e afofavam a almofada para descansar melhor. Pescava sonhos acordados de olhos quase epilépticos, quase despretenciosamente reais.
À esquerda a parede. Faz figas, rezas e macumbas. Espreme as rugas da cara.
Mas à direita estava o cobertor de leopardo e o lenço perfumado.
Mais uma vez um sonho.
Quem sabe um dia tudo volte a ser real.
À esquerda a parede. Faz figas, rezas e macumbas. Espreme as rugas da cara.
Mas à direita estava o cobertor de leopardo e o lenço perfumado.
Mais uma vez um sonho.
Quem sabe um dia tudo volte a ser real.
14 diciembre 2007
Ladra de palavras
Há pessoas que chegam e brilham.
Elas aparecem com o seu jeitinho de pai natal disfarçado, gesticulam e aumentam o volume da casa.
Fazem os sorrisos adormecerem nos lábios e todos quererem ficar para tomar mais uma caneca de chá.
Ela é assim. Abraça-me com o seu ar de praia e deixa escapar do seu rosto redondinho “que saudades”.
Como não se render à sua gargalhada tosca e ao seu jeito de dizer “acho que estas muito magra”? Ela “acha” sempre alguma coisa.
Valeu lhe a opinião neste mundo de viagens e mudanças de rota. Na vida da discriminação acentual. Ela e o seu charme genuíno que conquista a senhora das revistas, o moço da farmácia e o secretário do medico. Ela também já foi disso e, na verdade, já foi de tudo. Nunca se achou.
Preferiu fingir-se de perdida numa família cheia de mapas e direcções. Agitar o ritmo desta casa sem música e cheia de “a conjuntura do país está visivelmente favorável”. Ela não gosta dessas coisas nem do telejornal pois “passa na hora da minha novela”. Mas ensina à filha pequena: “é preciso ver novela para depois estares dentro das conversas”.
No seu mundo fala-se de novela das oito e da coitada da Karen Maria que foi traída pelo Mário Roberto. “Um absurdo!”. Por cá também. As fofocas vão desde o Tratado Lisboa à cassação do Kassab. Inaceitável.
Era esse brilho de decibéis intoleráveis de que estava a faltar. Esses que fazem tatuagem na cabeça e olhares melancólicos.
E ontem ainda teve a audácia de me dizer do nada “Sem a ti a casa não tem graça nenhuma”.
Elas aparecem com o seu jeitinho de pai natal disfarçado, gesticulam e aumentam o volume da casa.
Fazem os sorrisos adormecerem nos lábios e todos quererem ficar para tomar mais uma caneca de chá.
Ela é assim. Abraça-me com o seu ar de praia e deixa escapar do seu rosto redondinho “que saudades”.
Como não se render à sua gargalhada tosca e ao seu jeito de dizer “acho que estas muito magra”? Ela “acha” sempre alguma coisa.
Valeu lhe a opinião neste mundo de viagens e mudanças de rota. Na vida da discriminação acentual. Ela e o seu charme genuíno que conquista a senhora das revistas, o moço da farmácia e o secretário do medico. Ela também já foi disso e, na verdade, já foi de tudo. Nunca se achou.
Preferiu fingir-se de perdida numa família cheia de mapas e direcções. Agitar o ritmo desta casa sem música e cheia de “a conjuntura do país está visivelmente favorável”. Ela não gosta dessas coisas nem do telejornal pois “passa na hora da minha novela”. Mas ensina à filha pequena: “é preciso ver novela para depois estares dentro das conversas”.
No seu mundo fala-se de novela das oito e da coitada da Karen Maria que foi traída pelo Mário Roberto. “Um absurdo!”. Por cá também. As fofocas vão desde o Tratado Lisboa à cassação do Kassab. Inaceitável.
Era esse brilho de decibéis intoleráveis de que estava a faltar. Esses que fazem tatuagem na cabeça e olhares melancólicos.
E ontem ainda teve a audácia de me dizer do nada “Sem a ti a casa não tem graça nenhuma”.
09 diciembre 2007
tudo
A cabeça lateja uma dor traiçoeira de mais uma noite pensativa. Sonambolei no corredor sem saber o que fazer, perdida na casa do chão de pedra e nos gritos do bem-te-vi.
Esbarraste em mim.
Tropeçaste naquele mundo só meu de lágrimas de alegria e voz de rapariga durona. Escondeste-te no meu bolso com cuidado para não ficar com os pés de fora.
Sorrias sempre que eu me enganava, me esquecia ou fazia uma rabugisse imperdoável. Perdoavas. De olhos espremidos e certezas asseguradas.
Só não podia haver próxima vez.
Nunca houve.
Porque no dia seguinte viviam-se ressacas de embriaguez sentimental, de sussurros nocturnos em areais semi-iluminados.
Mas fui te alimentando e deixando-te pesado. Gordo de churros com doce de leite, balas de goma e gelado com cobertura de chocolate. Reclamavas de frio nos pés e que o vento deixava o teu cabelo despenteado.
O bolso rasgava-se, como a borboleta preta a sobrevoar a cozinha. Costurei, reforcei, três e quatro pontos duplos. Nada.
Enganei-me.
Queria dizer, tudo.
Esbarraste em mim.
Tropeçaste naquele mundo só meu de lágrimas de alegria e voz de rapariga durona. Escondeste-te no meu bolso com cuidado para não ficar com os pés de fora.
Sorrias sempre que eu me enganava, me esquecia ou fazia uma rabugisse imperdoável. Perdoavas. De olhos espremidos e certezas asseguradas.
Só não podia haver próxima vez.
Nunca houve.
Porque no dia seguinte viviam-se ressacas de embriaguez sentimental, de sussurros nocturnos em areais semi-iluminados.
Mas fui te alimentando e deixando-te pesado. Gordo de churros com doce de leite, balas de goma e gelado com cobertura de chocolate. Reclamavas de frio nos pés e que o vento deixava o teu cabelo despenteado.
O bolso rasgava-se, como a borboleta preta a sobrevoar a cozinha. Costurei, reforcei, três e quatro pontos duplos. Nada.
Enganei-me.
Queria dizer, tudo.
04 diciembre 2007
Cai pulseira, cai
Toca telefone, toca.
Deito-me na cama num descansar hirto, numa postura séria de quem finge descontracção. Imagino como será a conversa.
Pergunto e respondo, com um ar superior, de quem irá ponderar o convite. Negoceio.
Há que saber dar-se valor.
Tenho de tomar cuidado para estar sempre com o aparelho em alerta. Talvez faça dele um acessório de moda, ou implante aqueles chips que se atendem com o dente.
Prioridade: ouvir o toque.
Já decidi que não vou mais a concertos, nem discotecas, nem pubs de música alta.
Atenção: o ouvido é o teu melhor órgão.
Toca telefone, toca.
Os dedos tremem no enviar. Formigas sobem-me pelo umbigo a cada chamada não atendida. “Eram eles, eu sei”.
Mas se fossem o destino estava apenas a brincar comigo. Este grande sábio que agora parece ser gay. Um dia disse que gostava de ter um filho homossexual. As pessoas riram-se.
Divago para não me lembrar que o meu olho direito está a piscar aqueles tremeliques que mais ninguém vê. Fujo para não ouvir mais uma vez a pergunta “já tocou?”
Mas, se um dia ele tocar, acho que vou guardar o toque para mim. E apenas os mais atentos irão notar. Porque o verdadeiro amigo repara quando a pulseira cai.
Deito-me na cama num descansar hirto, numa postura séria de quem finge descontracção. Imagino como será a conversa.
Pergunto e respondo, com um ar superior, de quem irá ponderar o convite. Negoceio.
Há que saber dar-se valor.
Tenho de tomar cuidado para estar sempre com o aparelho em alerta. Talvez faça dele um acessório de moda, ou implante aqueles chips que se atendem com o dente.
Prioridade: ouvir o toque.
Já decidi que não vou mais a concertos, nem discotecas, nem pubs de música alta.
Atenção: o ouvido é o teu melhor órgão.
Toca telefone, toca.
Os dedos tremem no enviar. Formigas sobem-me pelo umbigo a cada chamada não atendida. “Eram eles, eu sei”.
Mas se fossem o destino estava apenas a brincar comigo. Este grande sábio que agora parece ser gay. Um dia disse que gostava de ter um filho homossexual. As pessoas riram-se.
Divago para não me lembrar que o meu olho direito está a piscar aqueles tremeliques que mais ninguém vê. Fujo para não ouvir mais uma vez a pergunta “já tocou?”
Mas, se um dia ele tocar, acho que vou guardar o toque para mim. E apenas os mais atentos irão notar. Porque o verdadeiro amigo repara quando a pulseira cai.
03 diciembre 2007
o samba dos focas
As consoantes mudas estão encarceradas na mais longínqua prisão. O “tu” foi para o paredão de fuzilamento, junto com o “connosco”, o “negoceio”, o “autoclismo” e o “telemóvel”. A minha cabeça deixou de lado as sirenes de alerta que disparavam sempre que eu lia “ação”, “inadimplência” ou “ególatra”. Agora penso num sotaque neutro, cheio de “todo o mundo”, “legal”, “galera” e “ponto de ônibus”.
Esqueci de me apresentar. Mas é fácil. O Chico Ornellas costuma descrever a 18ª turma do Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado da seguinte forma: “São trinta alunos. Quinze de São Paulo e quinze de fora. E uma estrangeira, a Marina, que veio de Portugal”. Essa sou eu.
“Portuguesa de araque”, me descreveu uma vez um foca. A brincadeira acabou por se tornar a minha mais perfeita definição. Brasileira-portuguesa ou portuguesa-brasileira? Depois desses três meses, prefiro deixar a resposta em branco.
Agora me parece tão distante o primeiro dia em que o Luiz Carlos Ramos nos disse: “Eu vou passar uma pauta para vocês.” E eu franzi a testa e pensei: “O que será que é uma pauta?”
Mas esse dia passou rápido. A família dos focas me acolheu e me pegou para criar. Com paciência e determinação me alfabetizaram a este país e esticaram os meus horizontes. Foram noites sem dormir pensando na matéria que tinha que entregar às 23:59, analisando os possíveis erros e repassando as dicas de texto e regras do manual.
Propaganda enganosa. Isto não é um curso, é uma familia-escola. A forca e o chicote pendurados na sala, bem tentam amedrontar os focas mais ingênuos. Mas bastaram alguns dias para entendermos que na escola dos focas, a aprendizagem tem gosto de churrasco e noites de violão. Ritmo de samba-enredo cantado num bom paconhol.
Foi necessário atravessar o oceano para conhecer o meu vizinho Paco Sanchez, o “pai” do já famoso paconhol, e aprender a importância de um texto ousado, porque afinal, “No pasa nada, e se pasa, que importa? E se importa, que pasa?”.
Agora o samba dos focas está chegando ao fim. Os meus pés continuam se mexendo freneticamente ao ritmo de 12 horas por dia de redação, sem fins-de-semana ou feriados. Ainda não sei sambar muito bem, mas uma coisa eu sei: Samba, que é samba, não tem compasso final. E foca, que é foca, nunca vai desistir de sambar.
Esqueci de me apresentar. Mas é fácil. O Chico Ornellas costuma descrever a 18ª turma do Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado da seguinte forma: “São trinta alunos. Quinze de São Paulo e quinze de fora. E uma estrangeira, a Marina, que veio de Portugal”. Essa sou eu.
“Portuguesa de araque”, me descreveu uma vez um foca. A brincadeira acabou por se tornar a minha mais perfeita definição. Brasileira-portuguesa ou portuguesa-brasileira? Depois desses três meses, prefiro deixar a resposta em branco.
Agora me parece tão distante o primeiro dia em que o Luiz Carlos Ramos nos disse: “Eu vou passar uma pauta para vocês.” E eu franzi a testa e pensei: “O que será que é uma pauta?”
Mas esse dia passou rápido. A família dos focas me acolheu e me pegou para criar. Com paciência e determinação me alfabetizaram a este país e esticaram os meus horizontes. Foram noites sem dormir pensando na matéria que tinha que entregar às 23:59, analisando os possíveis erros e repassando as dicas de texto e regras do manual.
Propaganda enganosa. Isto não é um curso, é uma familia-escola. A forca e o chicote pendurados na sala, bem tentam amedrontar os focas mais ingênuos. Mas bastaram alguns dias para entendermos que na escola dos focas, a aprendizagem tem gosto de churrasco e noites de violão. Ritmo de samba-enredo cantado num bom paconhol.
Foi necessário atravessar o oceano para conhecer o meu vizinho Paco Sanchez, o “pai” do já famoso paconhol, e aprender a importância de um texto ousado, porque afinal, “No pasa nada, e se pasa, que importa? E se importa, que pasa?”.
Agora o samba dos focas está chegando ao fim. Os meus pés continuam se mexendo freneticamente ao ritmo de 12 horas por dia de redação, sem fins-de-semana ou feriados. Ainda não sei sambar muito bem, mas uma coisa eu sei: Samba, que é samba, não tem compasso final. E foca, que é foca, nunca vai desistir de sambar.
Suscribirse a:
Entradas (Atom)