A vida está de ponta cabeça. Comecemos, então, pelos pés que tanto querem andar, sair, mexer-se. Que sonham em percorrer o mundo de palmas no chão, que querem fugir mas quando dão o primeiro passo apercebem-se que os atacadores deram um nó. Malditas vidas entrelaçadas.
Dos pés ao joelho, esse bastardo. Tinha de nascer com um osso deficiente. O menisco deslocado, dizem os médicos, mas eu não acredito. Acho que me dói só porque sim, por teimosia, para lembrar-me diariamente da minha imperfeição. Não que eu precise, mas ele insiste.
Do joelho salto para a barriga, esse espelho da alma. Quando estamos tristes, o chocolate consola, felizes, a cerveja celebra, apáticos, as gomas alegram, deprimidos, a fome cava mais fundo. E quando o mundo está ao contrário? Comemos e vamos ao ginásio gastar calorias. Para depois poder comer mais.
E quase sem perceber passamos da barriga aos ombros, esses, os que aguentam com o peso da mochila. A mochila que nos levará mais longe. A nossa companheira de onde quisermos. Porque, acreditem em mim, quando mais afastados estamos, menos peso sentem os ombros.
A cabeça, coitada, está meio zonza. "Não faças o pino que o sangue vai-te todo para a cabeça", diziam os professores. Não a mim, claro, que nunca tive jeito para a ginasitca. A cabeça, que no fundo é só uma carapaça, esse tal utencilio tão valorizado pela sociedade moderna. Esse órgão pensa, dizem os espertos. Não, quem manda é o coração, contestam os românticos. No fundo, tudo isto são só enzimas.
E então chegamos ao cabelo, malandro. Queremos fugir, mudar e disfarçar. Treinamos cabelereiros, odiamo-los de morte, pomos gel, espuma e creme modelador. Porque no fundo, a pior parte de ter o mundo virado ao contrario é que não há forma de conseguir pôr o cabelo como deve ser. Acho que no final das contas é ai que reside o meu problema.
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