17 enero 2010

Uma farsa esquizofrénica

Vivo vidas entrelaçadas. Vivo a existência de quem quer ser e ainda não é. Aquela que tem gosto de tarte de limão com cobertura de suspiro. A vida do eterno aspirante a coisa alguma, de um cavaleiro que parte sem rumo para expedições em países impronunciáveis. Um poço que nunca acabará de encher, um labirinto cujo final estará eternamente fora de alcance. Vivo uma vida sem alcance, sem alça, sem capuz e sem asa, só sonho. Vivo uma vida de sonho.
Mas sou agente disfarçada de menina, dançarina vendida, polícia camuflada. No fundo, sou uma farsa esquizofrénica que vai costurando pedaços de diferentes vidas num tecido que, no fim das contas, não é mais que caos.
E nesse caos cabe tudo. Entra a senhora trabalhadora e a rapariga marota. Se espremermos bem, há espaço para o aventureiro de pés descalços, para o funk da favela e o after-party das seis da manhã. É só remexer um pouco que lá esta ela, a menina literatura, os filmes de domingo à tarde e a música alternativa de calças roxas. Há a rapariga livre, independente, hiperactiva, a que tem voz de charme e a que sonha com uma casa de piscina e churrasqueira no terraço.
O problema, porque não há história sem fricção, é quando as vidas se misturam e a esquizofrenia confunde-se. Então recebemos um email para a senhora responsável e logo em seguida outro que recorda os dias de sol e praia em viagens saltimbancos. E então senti-nos traidores, farsantes, embusteiros. Porque estamos a jogar um jogo duplo e este não tem bónus no final. Sabemos que um dia a vida pagará factura e, entretanto, lançamo-nos e entranhamo-nos cada vez mais fundo nesta vida de multifaces à espera de encontrar alguém que, quem sabe, compreenda essa nossa pequena doença incurável.

1 comentario:

i dijo...

o problema é no final conseguir encontrar uma vida que consiga conjugar todas essas faces. se conseguires, conta-me