Os isleños foram os primeiros a chegar. Tornaram-se imediatamente donos e detentores desse pedaço rocha perdido no meio de uma água gelada de peixes. Eram rei, senhor e príncipe. Princepessa, dessas do cinema italiano.
E depois de muito pensar, optaram por viver uma anarquia organizada, já que, dadas as circunstancias, a maioria absoluta seria, deveras, um tema complicado. Criaram, então, um inovador sistema político que se sustentava com apenas uma regra: dentro daqueles domínios as coisas faziam-se de cinco em cinco. Ora ai está uma boa lei.
Toca a comer cinco maçãs, e cinco caroços, dar meia dezena de passeios e cinco olhares, daqueles de corar a ponta do nariz. Cinco, os minutos babados de boca na toalha e um v romano de furinhos da perdida orelha do mar. Que descanse em paz.
Uma mão cheia de dedos entrelaçados, cabelos enrolados e caracóis rebeldes. Uma língua de fora. Dessas não havia cinco. Mas a regra do seis menos um era muito rígida e não sobreviviam nem os sorriso-gargalhadas. Cinquenta? Vá, acrescenta-lhe um zero e negócio fechado.
No fim do dia, os donos e senhores da meia dezena abandonaram o seu reino, deixaram gosto na boca ao futuro legado e, entre furacões e rodopios, desocuparam a coroa dos isleños.
Ao chegar a terra quiseram dizer algo, fazer um discurso pomposo. Coisas de filme. Mas só saiu um gesto. Um, não, cinco.
26 mayo 2010
20 mayo 2010
Politicamente incorrecto
Fugiste. Já tinhas avisado tantas vezes. Ameaçado, assustado, anunciado. Até que um dia, chegou o dia. Pegaste nessa tua vida desorganizada, nos teus projectos intermináveis, no teu registo do nosso passado e correste. Correste até cansar.
Criaste uma nova história para ti, a história que tanto quisemos criar juntos.
E o que ficou foi uma referência interminável às nossas piadas internas, uma menina chata que fala sempre do mesmo. Daquela viagem de pão e sol, dos concertos de pés da areia, daquelas tardes-noites de pipocas e gomas ácidas. Dos personagens que aprendemos juntos a idolatrar.
Mas eu sou menina mimada, !sabes disso como ninguém!, e queria que voltasses. Tu, e essa tua cara de pato alegre, a tua vozinha de manha perdida, e o teu jeito confortável de ser. Tu e os nossos filmes, as conversas quotidianas, o fui-ao-shopping-e-comprei-umas-calças-novas. Tu e as tuas idas ao shopping.
Eu sei que não vais voltar. Eu entendo. Mas esta é só a minha maneira desengonçada e politicamente incorrecta de dizer-te que fazes falta.
Criaste uma nova história para ti, a história que tanto quisemos criar juntos.
E o que ficou foi uma referência interminável às nossas piadas internas, uma menina chata que fala sempre do mesmo. Daquela viagem de pão e sol, dos concertos de pés da areia, daquelas tardes-noites de pipocas e gomas ácidas. Dos personagens que aprendemos juntos a idolatrar.
Mas eu sou menina mimada, !sabes disso como ninguém!, e queria que voltasses. Tu, e essa tua cara de pato alegre, a tua vozinha de manha perdida, e o teu jeito confortável de ser. Tu e os nossos filmes, as conversas quotidianas, o fui-ao-shopping-e-comprei-umas-calças-novas. Tu e as tuas idas ao shopping.
Eu sei que não vais voltar. Eu entendo. Mas esta é só a minha maneira desengonçada e politicamente incorrecta de dizer-te que fazes falta.
19 mayo 2010
A paradiña
Na vida, às vezes, há que fazer uma paradiña. Há que deixar de lado as teorias, os rótulos e as etiquetas. Acalmar a histeria das ideias, dar um beijinho de boa noite aos prazos de validade pré estabelecidos. Pegar em todos os preconceitos, inimigos e pensamentos baratos. Juntar tudo isso e enfiar no congelador.
Quem sabe um dia esses alimentos de cérebros agitados derretam e voltem às grandes manchetes dos informativos. Quem sabe até se tornem realidade. Quizás.
Mas naquele dia pediram-me uma resposta. Uma palavra, um detalhe que pudesse organizar a vida. Não houve tempo para grandes reflexões. Chegou o sol e, com ele, aquela manhã de dia normal. Fizemos uma paradiña. E, pelos vistos, resultou.
Quem sabe um dia esses alimentos de cérebros agitados derretam e voltem às grandes manchetes dos informativos. Quem sabe até se tornem realidade. Quizás.
Mas naquele dia pediram-me uma resposta. Uma palavra, um detalhe que pudesse organizar a vida. Não houve tempo para grandes reflexões. Chegou o sol e, com ele, aquela manhã de dia normal. Fizemos uma paradiña. E, pelos vistos, resultou.
12 mayo 2010
A ressaca do adeus
Mais um dia daqueles. Outro, outra vez, outro. E só ontem me passou pela cabeça que deveria começar a colecciona-los.
Guardaria o adeus em uma caixa azul com um grande laço de cetim. Já tenho acumulados tantos, muitos, demasiados. Poderia fazer com isto uma valente fortuna. O adeus de choro engolido e de choro chorado. O de abraço apertado que estala os ossos. Aquele que leva um beijo que jamais esqueceremos. O adeus contado e recontado em noites de ronha debaixo da manta do sofá. O adeus que vira as costas e não olha para trás. O que gira a cabeça. O adeus que se disfarça de até já e aquele que tem pressa e, quando vemos, já passou.
No fundo, o que eu queria mesmo era que o adeus fosse um bolo de chocolate. Que boa ideia! Coleccionar bolos de chocolate. Ou sacos recheados de gomas coloridas. Não, espera, que seja leite condensado comido à colher. Esquece, tanto faz, não me importa. Só queria que o adeus fosse doce. Docinho.
E se for possível, senhores lá de cima, queria que o adeus tivesse uma voz meiguinha e olhos de cão sem dono, que soubesse olhar, sorrir e abraçar. Sim, que o adeus soubesse abraçar. Queria que fosse um menino espontâneo, desses que caem na graça das avozinhas.
Porque eu presumo sempre que eu e ele somos amigos, velhos conhecidos de outras batalhas. Mas na verdade, e mesmo que ele pareça inofensivo e pouco amargo, há um dia que a ressaca chega. E de adeus passamos a tenho saudades. É o ciclo normal da vida. Ou isso querem que pensemos.
Se pelo menos a ressaca soubesse a bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro...
Guardaria o adeus em uma caixa azul com um grande laço de cetim. Já tenho acumulados tantos, muitos, demasiados. Poderia fazer com isto uma valente fortuna. O adeus de choro engolido e de choro chorado. O de abraço apertado que estala os ossos. Aquele que leva um beijo que jamais esqueceremos. O adeus contado e recontado em noites de ronha debaixo da manta do sofá. O adeus que vira as costas e não olha para trás. O que gira a cabeça. O adeus que se disfarça de até já e aquele que tem pressa e, quando vemos, já passou.
No fundo, o que eu queria mesmo era que o adeus fosse um bolo de chocolate. Que boa ideia! Coleccionar bolos de chocolate. Ou sacos recheados de gomas coloridas. Não, espera, que seja leite condensado comido à colher. Esquece, tanto faz, não me importa. Só queria que o adeus fosse doce. Docinho.
E se for possível, senhores lá de cima, queria que o adeus tivesse uma voz meiguinha e olhos de cão sem dono, que soubesse olhar, sorrir e abraçar. Sim, que o adeus soubesse abraçar. Queria que fosse um menino espontâneo, desses que caem na graça das avozinhas.
Porque eu presumo sempre que eu e ele somos amigos, velhos conhecidos de outras batalhas. Mas na verdade, e mesmo que ele pareça inofensivo e pouco amargo, há um dia que a ressaca chega. E de adeus passamos a tenho saudades. É o ciclo normal da vida. Ou isso querem que pensemos.
Se pelo menos a ressaca soubesse a bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro...
11 mayo 2010
Asas em segunda mão
Atenção, que voar é coisa difícil. Não é como andar de bicicleta sem esfolar-se, alimentar elefantes ou passar vinte horas a viver de uma hormona com nome de remédio. Não podes fazer essas coisas. Chegar aí todo relaxado e sorridente com o teu cabelo despenteado e óculos desalinhados. Aparecer do nada e dizer, desinteressadamente, “vamos aprender a voar”. Voar? Voar é coisa de gente demasiado grande ou demasiado pequena. Voar é coisa de gente demasiado e todos sabemos (e tu sabes) que eu sou normal normalinha e os normalíssimos não voam. Mas pronto, desculpas dadas, já sei que não foi tua intenção causar a discórdia. Nunca é. Quase nunca é.
Mas já que insististes tanto, aprendamos.
Leva-me à feira da ladra e ajuda-me a escolher umas asas em segunda mão. E como poupamos na hélice, o orçamento deve chegar para comprar uma faca, ou similar. Pois cortemos as amarras, desfaçamo-nos de todos os pesos. Esses malditos que dão dores nas costas. Livres e leves, falta encontrar mecanismos de soltura. Sei lá, um pouco de açúcar na veia deve chegar. Busquemos um instrutor e procuremos a rota mais indicada. Não esquecer da banda sonora e da cesta de picnic.
Ate que, um dia, quando tudo estiver a postos, provas feitas, material revisado e exames aprovados. Quando tudo estiver okay, chegará a hora decisiva. O momento, ai esse grande momento, em que o instrutor aproxima-se e grita lá de baixo, com a segurança dos seus pés pisando terra: “Hei menina, atira-se ou não?”.
Já te tinha dito que voar era coisa difícil.
Mas já que insististes tanto, aprendamos.
Leva-me à feira da ladra e ajuda-me a escolher umas asas em segunda mão. E como poupamos na hélice, o orçamento deve chegar para comprar uma faca, ou similar. Pois cortemos as amarras, desfaçamo-nos de todos os pesos. Esses malditos que dão dores nas costas. Livres e leves, falta encontrar mecanismos de soltura. Sei lá, um pouco de açúcar na veia deve chegar. Busquemos um instrutor e procuremos a rota mais indicada. Não esquecer da banda sonora e da cesta de picnic.
Ate que, um dia, quando tudo estiver a postos, provas feitas, material revisado e exames aprovados. Quando tudo estiver okay, chegará a hora decisiva. O momento, ai esse grande momento, em que o instrutor aproxima-se e grita lá de baixo, com a segurança dos seus pés pisando terra: “Hei menina, atira-se ou não?”.
Já te tinha dito que voar era coisa difícil.
09 mayo 2010
Sonhatortilhas
Aquela capa preta de estrelas redondas separava-os do mundo. Usavam-na de refúgio para dias maus, de compensação para tardes de conversa em tom de nanas estrangeiras. Ali, naquele esconderijo em espiral, só existiam eles. Dois sonhatortilhas perdidos numa escola de crianças. Somiatruites que somiavan que el seu llit tenia ales. I a mitjanit despegavan i volavan, volavan i volavan.
E debaixo daquele manto de invisibilidade tudo era possível. Podia discutir-se sobre os tinteiros da impressora e o almoço daquela tarde, a salvação do mundo ou o valor do silêncio. Até podiam ficar calados. E essa era uma grande novidade.
Cobertos pela capa mágica, eram tudo o que sempre sonharam e negaram ser. Eram eles sem preconceitos, sem aquelas regras avassaladoras que os deitavam abaixo a cada momento. Eram versões melhores deles mesmos. Eram sonhatortilhas.
E quando aqueles dois ovos fritos e reboçados se escondíamos no cantinho do infinito, o relógio desaparecia do pulso e a razão fugia por uns instantes dessa posição líder. Não havia frio, fome ou sono. Eles eram demovíveis. Porque estavam ali para sentir. E sentiam forte. Sonhavam forte.
E debaixo daquele manto de invisibilidade tudo era possível. Podia discutir-se sobre os tinteiros da impressora e o almoço daquela tarde, a salvação do mundo ou o valor do silêncio. Até podiam ficar calados. E essa era uma grande novidade.
Cobertos pela capa mágica, eram tudo o que sempre sonharam e negaram ser. Eram eles sem preconceitos, sem aquelas regras avassaladoras que os deitavam abaixo a cada momento. Eram versões melhores deles mesmos. Eram sonhatortilhas.
E quando aqueles dois ovos fritos e reboçados se escondíamos no cantinho do infinito, o relógio desaparecia do pulso e a razão fugia por uns instantes dessa posição líder. Não havia frio, fome ou sono. Eles eram demovíveis. Porque estavam ali para sentir. E sentiam forte. Sonhavam forte.
06 mayo 2010
Pucheritos
Ele tem um jeito de ontem à noite, uma maneira caótica de ser. E muitos tiques nervosos.
Ele tem as mão pequenas, pequeninas, e uma cabeça que cresceu mais rápido que as orelhas. Ele é cabeçudo. E eu orelhuda. Que dois.
Então discutimos sobre tudo. Mas sobretudo sobre as coisas que não têm discussão. E ele agora diria que estas frases estão mal construídas. Mas o que ele não sabe, é que foi tudo feito “a posta”, ou, só para dar o braço a torcer, “a propósito”.
Tem pinta de caladinho, de introvertido. Rá. Enganem-se os tontos. Porque quando fala, não se cala e depois ainda pergunta: “Não consegues estar uns minutinhos sem falar?”.
E então eu zango-me, amuo, ou como diríamos por aqui, faço pucheritos. Tudo parte do show, porque já sabemos, que é regra escrita e revisada, que no fim, previsivelmente, quem ganha a batalha sou sempre eu.
Ele tem as mão pequenas, pequeninas, e uma cabeça que cresceu mais rápido que as orelhas. Ele é cabeçudo. E eu orelhuda. Que dois.
Então discutimos sobre tudo. Mas sobretudo sobre as coisas que não têm discussão. E ele agora diria que estas frases estão mal construídas. Mas o que ele não sabe, é que foi tudo feito “a posta”, ou, só para dar o braço a torcer, “a propósito”.
Tem pinta de caladinho, de introvertido. Rá. Enganem-se os tontos. Porque quando fala, não se cala e depois ainda pergunta: “Não consegues estar uns minutinhos sem falar?”.
E então eu zango-me, amuo, ou como diríamos por aqui, faço pucheritos. Tudo parte do show, porque já sabemos, que é regra escrita e revisada, que no fim, previsivelmente, quem ganha a batalha sou sempre eu.
02 mayo 2010
Noites
Ultimamente as noites têm sido curtas. As noites e aquele seu gostinho a frutas tropicais, açúcar, amigos e abraços. Elas e aquele toque tão evitado. O pele-a-pele que um dia fez o olhar estremecer. E então as noites acabam e o sol está ao contrário. Maquilhamo-lo com persianas eléctricas e cobertores black-out.
Porque de noite valem sussurros e a rouquidão tem som de piada, valem erros verbais, gritos desnecessários, valem insultos que se reconciliam em questão de segundos. À noite discutir é parte do protocolo. Não há conversas complexas, nem frases elaboradas. Um ano vive-se em dez minutos. Dez minutos mais dois ou três pormenores engraçados. À noite todos temos um sentido de humor especial.
E quando o dia chega, fechamos os olhos, fazemos beicinho e birras de criança mimada. A luz revela coisas que não queremos ver. Faz-nos mais sérios, mais pensativos, mais regradamente regulados. Por favor noite não te vás embora, não leves contigo esse teu aroma a iogurte com mel.
Porque de noite valem sussurros e a rouquidão tem som de piada, valem erros verbais, gritos desnecessários, valem insultos que se reconciliam em questão de segundos. À noite discutir é parte do protocolo. Não há conversas complexas, nem frases elaboradas. Um ano vive-se em dez minutos. Dez minutos mais dois ou três pormenores engraçados. À noite todos temos um sentido de humor especial.
E quando o dia chega, fechamos os olhos, fazemos beicinho e birras de criança mimada. A luz revela coisas que não queremos ver. Faz-nos mais sérios, mais pensativos, mais regradamente regulados. Por favor noite não te vás embora, não leves contigo esse teu aroma a iogurte com mel.
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