29 junio 2007

Para o Pedro:

Queixam-se por aí das metáforas.
Hoje acordei e pensei que a vida não pode ser “uma chávena de café com açúcar a boiar no topo”. A vida é vida. E por aqui concluo a frase.
Hoje não há metáforas. Não há um cobertor cor-de-rosa debaixo do qual me possa esconder.
E agora digo, assim, num tom directo e objectivo, que estou feliz.
(Só porque não há metáforas não significa que devo comentar a situação do mundo, ou criticar os candidatos à câmara de Lisboa.)
Falemos de sentimentos.
Não vou tentar explicar a felicidade, nem dar razões profundas e metafísicas para tal estado de alma.
Acordei, com a cara amassada de uma noite de dez horas de sono, e sorri.
Foi assim, simples e nada poético.
Tal com é a vida.
Mas sorrir é felicidade?
Andar de transportes públicos é sempre uma inspiração. Tantas pessoas a sorrir.
Sorrisos quando se pede “com licença”, “desculpe”, ou, sem nenhuma palavra, quando uma criança se senta à nossa frente e começa a fazer traquinices.
Há sorrisos enquanto se lê a secção das fofocas dos jornais gratuitos, ou quando se consegue, finalmente, acabar o sudoku.
Sorrisos, sorrisos e sorrisos.
Eu sorrio e irrito-me naquela viagem que me encanta e repele.
Os senhores, de nacionalidade incerta, tocam músicas que me lembram momentos de felicidade utópica. Os idosos reclamam da falta de cortesia dos jovens e “se já temos os nossos problemas, porque é que agora temos de estar a levar com os dos outros?”.
E eu sorrio e irrito-me.
Devia fazer um inquérito e andar com a minha nova (hehe) postura jornalística a perguntar às pessoas dos transportes públicos se são ou não felizes. Mas eu não confio em inquéritos.
Então resta-me pensar.
E talvez um dia encontrar uma metáfora perfeita para a felicidade.
Mas hoje não.
Porque hoje não há metáforas. Nem comparações.

27 junio 2007

vento pequenino

As decisões são difíceis e morosas, são peixes na água que teimam em não se afogar.
E o momento de espera é um tortura. Olhos que não podem piscar, pingos de água que massacram os ouvidos.
Mas finalmente a decisão acontece.
E em alguns segundos a nossa vida muda.
Acabaram-se as dúvidas.
Agora é fácil fazer um telefonema. Dizer, entre gargalhadas, que está tudo bem. E está.
É estranho ver como acabaram as preocupações, as crises de meia-noite, as dúvidas sentimentais que atormentaram os sonhos de princesa.
Já não te peço para ires embora de mim.
Quero que fiques como memória de bons tempos passados. Como recordação de infância acompanhada de um sorriso nostálgico. Foi só um telefonema.

Fica.
Com o teu jeitinho esquisito de personalidade múltipla. As indecisões e os passeios de vento pequenino. Agora já não faz sentido pensar, porque está tudo dito.
As ruínas serão sempre nossas e as músicas, de macacos saltitantes em viagens às escondidas, são a banda sonora de uma história tímida.
E não há mais ninguém.
Os alguéns explodiram em momentos de revelação absoluta. Ficaram as saladas e a comida que se deixa no prato. A superioridade grátis de labirintos coloridos.
E hoje apetecia-me fugir. Com a Beatriz e o Diogo.

25 junio 2007

lições

Diz-se por aí que de todas a experiências se devem saber tirar lições. Lições de vida. Lições de sabedoria.
Eu queria ser assim.
Saber dizer que tudo valeu a pena e que no final tornei-me uma pessoa melhor, mais sábia e experiente.
Mas na verdade não.
Passo imperturbável pelo mundo da tristeza e dos dias fechados de penumbra e tortura latejante.
Procuro uma rede de segurança que me salve da queda abrupta.
E lá está ela. Serena e tranquila. À espera.
Sempre admirei essa capacidade nos seres.
Esperar pelo momento certo. Ficar ali, parado e inerte, omitindo sentimentos. À escuta.
Olhos abertos e ouvidos atentos. Sentidos que se misturam num hirto momento de prazer.
E depois tudo se estraga.
Derrama-se o trabalho de uma vida, no chão impecável de esfregona nova.
O vidro quebra e restam cacos.
Caos inútil de momentos quebrados e movediços.
Sou memória. Memória ignóbil e inexperiente.

22 junio 2007

olhos de azeitona

Quero beijos rápidos e barulhentos daqueles que dão piquinhos na pele e furam o casaco preto. Quero abraços e olhares de deslumbre.
Mãos dadas a passear ali, naquele caminho de nenhum lugar, na rua esburacada que mais parece saída de um conto-de-fadas.
O céu mistura-se com o cor-de-rosa do vento e dança nas nuvens voadoras salpicadas de estrelas.
E no meio desta paisagem ilidica de ambiente campestre, pelo amor suave e terno da relva molhada nos pés tatuados, ele surge.
Afaga os cabelos e olha com pupilas carinhosas enquanto acaricia as mãos.
São momentos fotográficos de uma paixão passada em sentimentos cúmplice de olhos de azeitona.
A mesa derrete de inveja daquela felicidade latente que transborda da espuma do capuccino acabado de chegar.
Irremediavelmente sonhadora fecho os olhos e procuro uma brisa de vento que me diga ao ouvido, “tudo isto é realidade”.

20 junio 2007

dor

Às vezes dói-me a barriga e apetece-me um chá quentinho.
Um chá que escalde os órgãos abraçando-os como uma manta acolchoada que lhes oferece uma vida leve e ditosa. Os defeitos são saltinhos transparentes e as falhas um charme escondido na ilha do tesouro.
Quando a barriga dói fecho os olhos com muita força e rogo para que continuem a uma velocidade alucinante.
E, como quem não quer a coisa, às vezes consigo teletransportar-me para um mundo alternativo onde não existem incompatibilidades, mas apenas uma vida divertida de passeios e tardes no jardim.
E tudo é possível.
A barriga aperta, contorce-se, dá lágrimas nos olhos e pede para parar.
Mas já se foi o tempo em que o masoquismo era condenável. Agora a automutilação é uma prática social que permite aos jovens atingir o nirvana e rirem-se das vidas alheias.
Sou jovem (e odeio essa palavra).
Insisto e estimulo a dor, espicaçando-a ao limite.
Já quase não consigo pensar. A cabeça gira e percorre um mundo surreal com passos inaudíveis rumo ao perigo iminente.
Estou a senti-lo.
A dor latejante avisa-me que estou à beira de um precipício vertiginoso.
Vou cair.

19 junio 2007

me voy

Voltar e pousar na frágil pétala de rosa que se desfaz com a ponta dos pés.
Quero ser borboleta e planar nos rios, voar por entre montanhas de árvores outrora descascadas e que agora dão frutos coloridos. Crescer e aprender que tudo se vive uma vez.
E uma vez só.
Reviver é uma utopia inútil que nos acalenta as noites de dúvida e insucesso.
Não há viver de novo nem voltar atrás no tempo. O mundo continua a girar com dias e noites sucessivas de gargalhadas e dores de barriga.
Mas fui. O que era meu perdeu-se no mar das memórias apagadas de imperialismo num reinado de ninguém
E quem foi não volta a pisar as terras sagradas. Não volta a misturar-se com a poeira encabelada do chão pestilento e pegajoso que cola na palma dos pés preta e suada de tanto andar.
Me voy de vez desta terra encantada onde o sorriso é um flash fotográfico eterno que dói nas covinhas de tanto esforçar.
Agora já não há lágrimas para relembrar, nem perfeição para reinventar. Gravei o meu nome numa parede azul e num espelho barato. Resta-me esperar que um dia o ciclo se feche numa requintada sinfonia de experiências alternativas.
Esperar que um dia alguém queira viver a minha realidade. Assim como eu vivi a deles.
E gostei.

11 junio 2007

fita-cola?

És um monstro.
Um mostro calado e desgastado na revisão da minha vida.
Escondes-te por trás das árvores dos centros urbanos, dentro da caixa das bolachas e no fio do telefone ao pé da cama.
És resíduo constante, qual fóssil rochoso instalado no cerne da alma.
Falas e gesticulas com a naturalidade da vida-fantasia dos tempos já esbatidos pelo contínuo trabalhar do relógio.
Quero-te fora de mim.
Sei que o tema é recorrente e que a minha triste melancolia azeda já faz alergia aos ouvidos alheios.
É uma força que me empurra para o limbo pueril da angústia. E cada vez que veto o meu pensamento de desviar-se na deformidade das tuas promessas de felicidade, penso em ti.
Penso em não pensar-te. Penso em odiar-te pelas entranhas. E lembro-me que até já gostei de ti do avesso.
E quando surges no mais subconsciente da mente adormecida e dopada por gases pesticidas que inibem o raciocinar, apetece-me chorar e pôr-te no lixo (no recipiente azul da reciclagem). És um papel rasgado. Mas às vezes a fita-cola parece tão aliciante.
Não queria colar-te nem estragar-te nem elevar-te num pedestal cristalino. Queria que fosses apenas uma alma ambulante pelo meu rol de memórias que precisa de queijo e exercícios no ginásio.
Queria-te normal e esbatido por novas e estimulantes experiências.
Mas depois apareces-me e dizes que é possível fazer REW.

09 junio 2007

não tem mal

Há dias de sol e dias de chuva. Há dias de certezas e dias de dúvidas.
Há dias em que sorrimos no abraço acolchoado de um perfume familiar. Há dias em que apetece usar uma voz que se dissolve no vento e falar numa linguagem de ditongos monossilábicos.
Voar entre letras de músicas cantadas em dois tons e passear por entre castelos abandonados de fantasias de futuro.
Vou correr pelo campo com os sapatos desapertados (por causa dos calções) e deitar-me por cima da das pedras que fazem doer as costas.
Nesses dias não tem mal ser lamechas nem fazer planos utópicos de viagens à lua ou, quem sabe à Tailândia. Não tem mal gozar com os vizinhos nem contar segredos proibidos.E como os dias de certeza são tão raros. Nesses dias até podemos comer um pudim de leite condensado e pensar. Não tem mal

05 junio 2007

matemáticas

A vida são testes de matemática feitos sem calculadora.
Há muito que o ratinho deixou de nos ajudar a resolver problemas existenciais e que o zero deixou de ser apenas um conceito vazio.
A vida não é fácil, todos sabem disso.
São chegadas e partidas, com lágrimas e emoções.
São dramas mexicanos contados debaixo de um cobertor macio.
As pessoas vêm, abanam-nos a rotina, instalam-se nos nossos recantos, integram a nossa família e depois vão-se. Deixam rastos de migalhas de chocolates, deixam caras e caretas.
E ficam as fotografias eternizando os momentos dignos de flashes. Fica a solidão. Outra vez.
Não quero mais visitas, nem sorrisos, nem perfeição efémera.
Agora é tudo ou nada, digo eu.
Dêem-me uma calculadora, e façam-me racional. Formatem-me a cabeça e digam-me que a felicidade fugaz não é uma droga viciante e perturbadoramente degradante e degenerativa.
Por favor.

04 junio 2007

impecável

As viagens são parêntesis saltitantes em festas de histeria alegre. São passeios ao vento em tardes de verão à beira rio.
As viagens são toques escondidos e fugas de covinhas cúmplices e passageiras.
Os olhares circulam nos corredores com pantufas invisíveis e insonoras que deslizam no chão impecável do quarto cuidadosamente trancado.
O segredo é um menino maroto que quer voar e pousar num ombro proibido. Ele insiste em instalar-se nos carros, nos colchões, nos copos e nos elevadores. Ele ri-se e goza connosco do alto da sua ironia sapiente.
Vamos fugir e viajar num segredo sem fim de línguas aldrabadas e noites de bebidas coloridas. Vamos caminhar até não termos mais sapatos e a banda sonora da nossa vida resumir-se a momentos.
Arrepios de solidão futura, lágrimas congeladas no profundo da alma.
No presente, apenas uma certeza.
A minha casa vai ter três assoalhadas e vista para o mar.
E todos os dias ao jantar vou beber água com momentos poliglotas e inesquecíveis.
E nunca irei desidratar.
Fecha parêntesis.