30 diciembre 2008

Estás e não estás e eu já não sei onde estou.
Estamos, queremos tanto estar, mas não passa de um querer.
Já não sei o que quero e por onde estou.
Porque quando estás não estou e quando estou nunca estás.
E assim andamos desencontrados nesta rápida estadia.
Vamos estando. E o tempo vai passando.
Onde estamos, afinal?

26 diciembre 2008

Pipocas

O mal é ver demasiados filmes. Com pipocas e Coca-Cola.
É chorar por trás dos óculos dedilhados. Tirar o sapato e esticar os pés por cima da poltrona da frente. Menina má. Isso é falta de educação.
O mal é ver demasiados filmes e lembrar daquele nosso primeiro encontro. Tu, qual galã desajeitado, a conquistar os corações das adolescentes. Eu, sedutora pretensiosa, ganhando a ira dos espectadores. “Dissimulada!”, gritaria a minha mãe no meio das pipocas.
Imagino então os nossos passeios em contra-picado com filtro azul. Cheio de flashes do passado com momentos embaraçosos de crianças que querem crescer. Seria uma pós-produção complicada. Custosa. Põe mais um olhar naquele encontro desinteressado. Um sorriso no dia que não ficou marcado na agenda. Esquecimento.
Faz das discussões reencontros apaixonados. Dos dias aborrecidos uma banda sonora com folhas de Outono. Diálogos rápidos e inteligentes. Gestos impulsivos, acertados e heróicos. Como aqueles que se compram com as gomas ao quilo.
O mal é ver demasiados filmes. Por que é que a vida não se pode comer com pipocas?

23 diciembre 2008

A cidade do fingimento

Era o mesmo colchão. O dos pesadelos.
Tinha ainda aquele toque de lençol barato. De borbotos com sabão em pó.
Era real. Eu tinha voltado àquele lugar.
Todos os sentimentos que critiquei, as atitudes que nunca entendi. O egoísmo do café que nunca chegaria a marcar, do telefone que fingi não ouvir. O eu desprezível que tanto detestava e de quem tentei fugir, de quem forcei o esquecimento.
Estava de volta.
De repente à memória chegam sensações de dias de angústia por acabar, de sorrisos falsos, palavras forçadas, do ser incompleto que à noite, antes de dormir, reza para que o próximo dia não chegue. Mais um dia de rotina preguiçosa que finge estar ocupada. Um dia mais de fingimento.
Aquele suor frio que te acompanha pelos dias de pobreza cinzenta. Que te pressiona para seres melhor. E que te faz mal, tão pior do que aquilo que aprendeste ser. A concorrência de desconhecidos que paira pelo ar desta cidade onde não basta ser normal. Onde não te deixam ser feliz.
Eu estava de volta. E dormia naquele mesmo colchão.

13 diciembre 2008

Um jantar

Foi só um jantar.
E tanta coisa mudou.
Havia aquela mais séria, que rebolou de língua enrolada e copo na mão. A sorridente que confessou a alegria de amores recém descobertos em terras esquecidas. O menino das camisas que se descompôs em passos deslizantes de dança, entre histórias de conquistas e de corredores estudantis.
Não havia mulheres interessantes e bonitas ao mesmo tempo. E essas já estavam ocupadas. Mas isso é outra história. Uma sobre pessoas fúteis.
Houve sorrisos enviados pelo correio, confissões de amor e uma ou outra traição. Sem julgamentos. Pelo menos não muitos.
O álcool da concorrência tornava-se comunitário e as músicas resultavam em grandes abraçados sem jeito, seguidos de passos de dança tropeçados e uma gargalhada abafada pelo novo hit espanol. Desconhecido. Mais uma vez.
E aquele que antes era a autoridade em cima do estrado, baixou até nós em piadas desrespeitosas, discussões mais ou menos agressivas e lágrimas de risadas estridentes.
E tinha sido só um jantar.
Mas tanta coisa tinha mudado.

Borde

Apareceu do nada, chocando com as frases de linguagem universal. Explicaram-mo com meias palavras, sentidos ambíguos, com o medo de dizer o assertivo.
Seria uma esquina de um objecto pontiagudo. Daqueles em que não queres tropeçar. Sangue, choro, hospital.
É a personificação de uma seta afiada que chega, vem e destrói. Sem piedade. Diriam, sem compaixão.
Erro no sistema. Bloqueou-se o computador central. A definição não encaixa ao protocolo.
Estado actual de saúde: extinção forçada.
Há que polir as arestas. Socializemos as nossas esquinas. Queremos sorrisos constantes, palavras meio-ditas, protocolo, dicionário, protocolo.
Mas a sociedade é benevolente, avisam-me. Não há que me preocupar. Os génios da ciência já encontraram a cura.
Desiste de ti e faz-te outra pessoa. Uma mais gostável. Uma menos bruta.

Uma menos “borde”.

12 diciembre 2008

Enjoo

Não tenho paciência para namorar. Nunca tive.
Isso do vou aqui, vou ali, importas-te que vá sem ti?
Enjoa-me. Tal como baba de camelo.
Isso do és tão bonitinho meu amorzinho, és a luz do meu mundinho.
Dá-me vómitos. Igual a sopa de legumes.
Irrita-me o tens que ligar, tens que fazer, tens que jurar amor eterno.
Ou não é amor.
Pois que não seja. Porque o amor enjoa-me. Como leite com chocolate.
E, no fim das contas, concluem que não tenho sentimentos.
Morrerei velha e amarga.
Mas a verdade é que isso não me preocupa muito. Porque um dia conheci por ai a um tipo, que até me pareceu interessante, e que gostava de baba de camelo, batas fritas com gordura e sopa de legumes.
Formámos uma parceria estratégica. Eu dava-lhe a minha amargura, ele os seus sorrisos. E isso, estranhamente, não me enjoou.
Dizem que, a partir daí, passei a ser uma nova pessoa.
Dizem.

08 diciembre 2008

Memórias. E histórias.

Eram dois forasteiros em aventuras europeias.
Fizeram do continente o seu mundo, e decidiram andar por aí. À deriva.
Perdidos em quartos partilhados e corredores de supermercado. Contando moedas. E gastando-as em guloseimas.
A vida era uma rotina de paisagens, mapas, fotografias e solas de sapatos gastas. Era uma rotina do não rotineiro. E isso parecia tão normal.
Trocavam dinheiro e mudavam de casa, lidavam com os imprevistos com alguns berros e gargalhadas. O fast-food era o seu maior luxo.
Ás vezes mendigavam, isso é certo. Mas faziam-no com o estilo de quem tem zeros no cartão de crédito, de quem pode mais e não quer.
E assim perseguiram noivas, bares, amigos e o bom tempo. Assim meteram-se em direcções erradas, espalhando os seus pertences pelo mundo. Que generosos.
E agora de volta à escravidão do tempo, do espaço e da geografia, restam-lhes as memórias. E as histórias. Porque eles eram dois. E esta foi a sua aventura forasteira.

05 diciembre 2008

Babel

Não nos entendemos. E isso parece importar tanto.
Aquilo da gramática universal não existe. Tonterias. Já apelamos ao inglês, ao espanhol e ao italiano. Já tentamos o esperanto e a linguagem gestual. Nada funciona.
Fomos então pedir um remédio a um médico especializado nesses males. Queríamos curar-nos da doença de Babel. Doença rara, disse.
Como solução surgiu a indiferença.
Seguimos levando a vida como se enfermidade nenhuma houvesse. E do desprezo veio a cura. Sentíamo-nos comunicados.
Mas a língua estrangeira é um eterno terreno escorregadio. Há que usar meias antiderrapantes.
E naquele dia esqueci-me. Que tamanho tropeção!
E caímos juntos, torre abaixo, numa cambalhota gigante de água salgada e soluços debaixo do lençol.
Foram-se as regras gramaticais nunca escritas, as muletas linguísticas que nos caíam tão bem. Sujou-se de lama o livrinho de vocabulário que levava na mala, aquele sorriso feito sem pensar, a frase sem sentido tão comummente compreendia.
Havia que começar de novo. Que reescrever as regras.
Mas e se não nos entendermos?
Dizem que está aí o mistério.