O menino caladinho tinha um olhar tímido e um punhado de conversas silenciosas. Mantinha a inexplicável empolgação de uma criança e um rol de “desculpa”, “obrigado” e “com licença” que tanto orgulharia os seus pais.
Era rapaz de comunicação, mas comunicar não era o seu forte. “É que eu me enrolo, sabe?”, justificava, e lá ia ele enrolando-se no fio das suas próprias historias. Até que o fio enroscava-se de tal maneira que, de repente, dava nó. E eu ria, gargalhava e desfrutava da sua trapalhice. “É que eu gosto mais de contemplar”, explicava. E isso, claro, dava azo a mais risada.
Mas para menino calado, até tinha das suas. Gostava de arte, de literatura, de Bob Dylan e de pôr gel no cabelo antes de dormir: assim já acordava penteado. Sonhava com história e com ruínas romanas. Os museus eram a sua casa.
Dizia que os óculos usavam-se a meio do nariz e então eu chamava-o de velho e ele irritava-se, mas não muito, porque nada superava a sua ira de quando eu soltava um “é que você é um adolescentezinho” no meio de alguma situação empolgante. Dizem que a crítica faz parte do charme, ou isso defendo eu.
Mas os dias passaram e ele foi soltando os nós: e não é que o menino caladinho falava?
E se falava.
Contava do pai, da mãe e do trabalho. Da rotina que era viver. Queixava-se dele mesmo e da sua atitude, que queria ser melhor. Que não conseguia ser melhor. E depois vieram as histórias. As entrevistas aos deputados, os professores despedidos, os amigos e o eterno amor platónico. Amar é sofrer, disse um dia entre uma batata frita e um golo de Coca Cola.
Mas a magia acabou logo e precisamente quando ele, o menino caladinho, estava tão tagarela, o seu avião partiu. Deixou para trás uma garganta rouca de bares e aventuras, e ao despedir-se, deu-me um abraço forte e balbuciou: “Obrigado”.
O menino caladinho tinha voltado a calar-se.
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1 comentario:
Adoro o Menino Caladinho e a Garganta Rouca! Um equilibra o outro...
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