19 mayo 2007

sapatos

Somos mapas coloridos de escolhas e decisões. Somos planilhas organizativas de prós e contras balanceados, somos documentos electrónicos complexamente dissecados.
Somos caminhos.
A vida é uma marcha lenta de momentos perdidos no tempo. E a cada passo, uma decisão.
Odeio sorrisos falsos e pessoas embrulhadas para presente. Odeio vidas perfeitas e pessoas inabalavelmente felizes.
Os caminhos são íngremes e requerem bons sapatos.
Ás vezes estamos a caminhar e o sapato rompe. Tentamos, insistimos, acreditamos que o sapato não nos irá trair. Insensível, cínico, falso. Sapato desprezível.
A vida é assim, mostra-nos quem são os verdadeiros sapatos nos momentos em que mais precisamos.
E, naquele dia, em que o chão fervia, os olhares reprovavam e o tempo escasseava, tu resolveste deixar-me.
Pés pretos e com bolhas por estoirar.
Com o andar confidente decidi percorrer o caminho, custasse o que custasse.
E o caminho era difícil.
Era difícil sorrir e não olhar para os pés descalços. Era difícil não olhar para as pessoas e explicar a minha condição. Foi quase impossível não inventar uma história heróica. Defendi-me na comicidade da situação, no ridículo de perder um sapato a meio do dia. E eles riram-se comigo.

Agora tenho um sapato novo.
Na verdade, não é bem um sapato.
È uma espécie de palmilha que ponho nos pés e me faz sentir mais confidente.
Bonita aquela palmilha.
Ela tem desenhos e palavras estranhas. Ela conforta-me o pé e protege-o das pedras do caminho. Ela faz-me rir.
Mas, as vezes, o meu pé lembra-se de que outrora teve um sapato. Um sapato inteiro e composto, brilhante e requintado. Um sapato que resistia à chuva e ao vento, à terra e à areia. Um sapato à prova de água, que fazia de mim uma estúpida rapariga sorridente. Odeio sorrisos.
Mas o sapato foi laceando e eu, sem notar, sentia-o mais confortável. Sentia-me em casa e podia ser eu mesma. Nunca mais me lembrei que deveria levantar mais os pés para caminhar.
Foi então que um dia o caminho tornou-se perigoso e a rapariga indefesa tropeçou na primeira pedra.
Adeus sapato.
Sempre soube que deveria levantar mais os pés para caminhar.

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