30 marzo 2007

pensos rápidos

Já não existem heróis. Eles morreram há alguns dias atrás depois do copo de leite e da sandes de fiambre comprados no bar da esquina. Eles foram apagados das páginas dos jornais e substituídos por programas de televisão. Os avós já não contam histórias aborrecidas. Eles agora estão demasiadamente envolvidos em jogos de xadrez virtuais e a inventar novas nas receitas na bimby.
Os heróis agora estão à venda, compram-se com telefonemas e mensagens escritas. Embrulhe-me alguns para presente. Faça-me lá um descontinho que eu vou levar uma dúzia.
Os heróis estão em crise.
Os do passado são reinventados, abordados de forma moderna, original. O Júlio César vive num cenário da guerra do Iraque misturado genialmente com os capitães de Abril. O Sancho pança emagreceu e o Napoleão comia grissinos.
Os meus heróis esquizofrénicos foram penosamente apagados da minha lista de recordações. Fechei os olhos e pedi, com a testa enrugada do stress da tristeza molhada, que fosse indolor. Os heróis são como os pensos rápidos. Eles colam-se onde nós quisermos, moldam-se às articulações, camuflam-se à cor das nossas peles. Mas quando queremos livrar-nos deles, o melhor é tirar rápido para doer menos.
O problema é que os pensos de má qualidade as vezes deixam cola.
Preciso de tomar um banho, isto sai com sabonete?

28 marzo 2007

A culpa é da sociedade! (e dos esquilos)

Culpemos o mundo.
A sociedade é feita destas coisas. Este conceito agradavelmente abstracto fica sempre bem numa frase erudita, numa conversa de café à beira-mar.
A sociedade.
Esta massa de pessoas, cultura, hábitos. Esta coisa que por ser impalpável é tão útil e tão tranquilizadora
Culpemos a sociedade.
Todos já acordaram um dia e sentiram não pertencer àquele mundo. Todos já se sentiram deslocados numa conversa, excluídos numa sala de aula ou num encontro de amigos.
Sou um esquilo.
Os esquilos são rápidos e egoístas. Eles vivem de bolotas e de nozes (que fazem tão bem aos intestinos) e camuflam a sua beleza por trás daquela cauda longa e peluda. Os esquilos lá no fundo são anti-sociais. Eles não gostam muito de sair de casa e preferem preguiçar na sua cama recheada de bolotas ou refugiar-se no mundo dos livros onde os animais realmente têm problemas, onde morrem e onde amam, onde adoecem e onde se apaixonam (desculpem a redundância).
Os esquilos não têm sociedade mas culpam-na de qualquer maneira. Gostam do charme da palavra. Da complexidade da sua composição. Lembra a palavra idade e isso fá-los sentir mais velhos e mais sábios (não primam pela inteligência estes esquilos).
Os esquilos quando se sentem excluídos das conversas ou mesmo quando participam activamente nelas (desculpem, hoje não é um bom dia. Tenho sido demasiadamente redundante) fazem puzzles mentais. É verdade. Todos sempre quiseram saber em que pensam os esquilos quando, com olhos de azeitona, olham fixamente para um ponto com aquela cara mecanicamente ensinada desde a infância a dizer: estou profundamente interessada no assunto. Eles brincam distraidamente com palavras. Descobrem novas descrições, metáforas, adjectivações, anotam mentalmente novas ideias e põe-lhe um post-it que diz: lembrar de usa-la no futuro. Normalmente é de noite, quando já acabaram as bolotas e a cama cheia de cascas torna-se incomodamente desagradável, que os esquilos reviram os arquivos mentais em busca de pos-its interessantes nos quais se possam aventurar horas a fio até ao sono chegar.
Mas a verdade é que ninguém gosta dos esquilos. Foram confinados a uma gaiola lateral e sovinamente mínima, num canto esquecido do jardim zoológico.
Eles também não gostam deles próprios. Costumam falar de si na terceira pessoa. Malditos esquilos.
A culpa é da sociedade.
Talvez eu seja uma espécie diferente de esquilo. Sempre achei que a minha cauda era um pouco menor e mais tosca do que a dos esquilos de excelência.
Se pelo menos os esquilos tivessem um sindicato.

26 marzo 2007

cambalhotas do mundo

Gira, mundo, gira.
De repente sentimos um redemoinho nas nossas cabeças, um tirilintar no mais profundo do nosso cérebro e, quando abrimos os olhos, o mundo girou.
É uma experiência de apenas alguns segundos (para os mais sortudos às vezes dura minutos) e quando as pálpebras se afastam, a vista fere. São raios de luz que entram directamente para os olhos cada vez que nos deparamos com a cama vazia, com o (não) fluxo do telemóvel, com as noites passadas a escrever.
O mundo mudou. E os olhos têm cada vez mais rugas.
Ponho os óculos de sol e passeio pela estrada deste novo mundo. Cada pessoa desperta-me um interesse diferente, cada planta uma sensação de renascimento, cada cheiro um pequeno e alucinante êxtase.
E quem diria que a menina do mundo perfeito, de vida assente na folha de papel, de sentimentos vitalícios e estáveis, iria conceder ao mundo a graça da reviravolta. E agora, é ela que se aventura por novas estradas, que olha para o alto com esperança de algo radicalmente melhor. E ele. Maquilhou as cambalhotas no mundo, qual ilusionista fracassado, tirou coelhos e flores da sua cartola de caracóis, encontrou pregos e fixou o mundo. Pára mundo. Deixa-os achar que são felizes, eles gostam do Carnaval. Sempre gostaram.

23 marzo 2007

vírgulas e travessões

Os meus cabelos trazem a fragrância do teu perfume e as tuas palavras flutuam insistentemente na minha cabeça enquanto tento raciocinar. Por momentos as horas deixaram de existir e deixei-me levar pelo teu jeito engraçado de implicar, reclamar, distrair e controlar. Agora já estou de volta, tudo voltou a acabar.
E, mais uma vez, confirma-se que a vida é um constante ponto final onde as vírgulas e os travessões lutam constantemente pelos seus 5 minutos de fama. E são dessas (felizes) conquistas que se constroem as histórias (não quero desprezar o ponto e vírgula, eu também gosto dele, mas um bom travessão é insubstituível, todos sabem disso).
Não, não quero voltar para casa, por favor, vamos perder-nos mais uma vez por ruas perigosas e semáforos vermelhos, vamos rir da falta de sinalização e reclamar que já e tarde e temos de trabalhar amanha. Não, vou fingir que não vi a rua no mapa e deixar-te passa-la de propósito sem querer. Não acredito, estamos quase a chegar e ainda não te abracei o suficiente, não olhei para ti o suficiente (ficas tão bonito de gravata e camisa colocada, cuidadosamente, para dentro) não cheirei o suficiente teu perfume, ainda não te agradeci por tudo e por mais alguma coisa. Não te disse o quanto gosto de ti.
Já não estamos perdidos, mas vou fingir não ver a minha casa. Talvez não a reconheças e possamos perder-nos de novo. Encontraste-a. Tenho de sair rápido, aqui tudo é muito perigoso e acelerado. Foi nesse abraço de beijo barulhento que roubei o teu perfume e pu-lo no me cabelo (invisível).
És velho, mas ninguém o diz. Talvez seja do ginásio.

20 marzo 2007

vassoura estupida

Estava ali, sentada, olhos fixos em narciso, pensamentos que voavam e pousavam no reflexo do espelho da vida passada.
Foi apenas um abanar da cabeça. A tesoura cortava as noites de insegurança de menina pequena, o leite quente para dormir melhor, os telefonemas de beijinhos e tolices amorosas. A ferida espalhava-se pelo chão de cabelos e madeixas e a cada golpe tudo se tornava mais leve.
O tremor apoderava-se dos meus membros enquanto o sangue insistia em circular nas bochechas, e os lábios persistiam num sorriso de dentes amedrontados.
E no fim, banhada de vermelho do passado, assumi publicamente a mudança. Chorei pelos bons momentos, lavei-me daquela mancha de pelos coloridos e multiformes e, quando olhei para baixo, para um solene último adeus, já os tinham varrido.
Adeus. Gostava de me ter despedido melhor. Pelo menos teria sido mais difícil. Vassoura estúpida.

17 marzo 2007

olhos enlagrimados

Acusam-me de nostálgica, de sentimentalista.
Como não o ser?
Numa conversa ao telefone onde, por segundos, tudo volta atrás. Não há problemas, intrigas, professores e carreiras futuras. Não há acordar cedo, nem aulas, nem desculpas, nem mundo.
Existimos somente nós.
O telefone toca e o mundo se extingue num dissolver absoluto do exterior, numa chama que consome tudo o que é vida e torna inanimado qualquer distúrbio aparente transformando-o em algo completa e absolutamente superficial. Existimos nós e tudo o resto é lentamente mastigado e ignorado pelas palavras entusiasmadas do outro lado da linha.
Vemos o mundo com desprezo e superioridade.
Aquilo que acontece ou aconteceu, aquilo que pode ser falado ou recordado é de tal modo insignificante que nos faz rir. O mundo somos nós e todos o sabem. Nós e as nossas histórias incontáveis, os nossos segredos engarrafados, as nossas emoções inaladas numa noite qualquer.
Agora cada noite qualquer deixa de ser especialmente vulgar e passa a encher-se de cheiros e sensações passadas onde o acordar é feito numa língua estrangeira, com os cabelos despenteados e os olhos enlagrimados.
Não estou triste nem nostálgica, queria somente que o resto do mundo pudesse compreender aquilo a que nós chamamos de saudade.

07 marzo 2007

é madrugada

Às vezes tenho saudades tuas.
Procuro-te pelas estradas e nas placas dos carros, espreito, olho, cheiro, sinto. Talvez agora também estejas a pensar em mim.
Ás vezes tenho medo de aceitar que sou frágil, que choro, que tremo quando a brisa (já tinha saudades deste vento violentamente perturbador) traz consigo a solidão das noites caladas, o descampado das tardes sem passeios e arrepios.
E quando fecho os olhos os flashs de perfeição invadem-me o pensamento, conquistam, qual cavalo bélico, os meus sonhos semi-acordados. A vida é o aqui, o momento, é o acto presente, é a força do mar que voltou a ser minha aliada.
E porque não deveria ter saudades tuas.
Saudade de um tempo que passou, de um nós que não é mais nosso. Esvaneceu-se com os pixels multicolores naquela tarde solarenga. Voou com as asas metálicas do avião, entre três ou quatro flocos de neve escorregadios. Foi-se.
E não se deve querer voltar ao que já acabou.
Porque a beleza do que foi permanecerá em cada bolha de sabão soltada, em cada vez que com uma mão apertada na outra, selamos a nossa cumplicidade de vidas partilhadas.
Estou confusa.
Os temas misturam-se e entrelaçam-se na minha cabeça. Já não sei sobre o que falo, nem o que quero dizer.
Mas para não enganar e para que tudo acabe de forma clara, explico que todas estas letras aleatoriamente espalhadas neste papel virtual querem dizer apenas que chegou ao fim. E que venha a vida nova. É madrugada, os meus olhos ainda estão abertos e o meu cérebro diz-se ainda capaz de formar palavras. Parece que estou acordada. A vida está, decididamente, a mudar.
Dói-me a cabeça, tenho os olhos molhados. “Vai dormir que isso passa”, disse a minha mãe. Espero que sim.

05 marzo 2007

voltar

Voltar.
Voltar para um quarto grande e uma cama de casal. Voltar para a máquina de fazer água e para o duche com cortina. Voltar para o mar e para o meu carro azul.
Voltar.
O sentimento invadia-me, entrava pé ante pé pelas pontas dos dedos percorrendo o corpo e dominando-o de uma forma incontrolável. Eu estava feliz (lá bem no fundo).
O mundo girava e parecia turvo, numa sinfonia de sons inaudíveis e pensamentos que se atropelavam. O que fazia eu ali?
Precisava de sair, de procurar, de descobrir o código chave para desligar a o mecanismo aquático que insistia em verter liquido transparente. E ver aquela cara amiga fazia-me sentir bem. Queria falar e contar tudo, tentava controlar a voz e faze-la parecer natural. O som provinha de uma angústia abafada, de uma lágrima seca, de um misto de recordações.
O carro parou e um simples sorriso foi um bilhete de entrada para o mundo real.
Chega de noites sem dormir, de garrafões de cinco litros, de copos partidos, de jogos multilingues. Chega de ouvir musica no sofá da casa decorada, chega de autocarros, de eléctricos e de aperitivos.
Bem-vinda ao mundo onde os amigos são para sempre e não vão fugir passados alguns meses, onde as conversas valem mais do que uma dança, onde o ponto de encontro é o café e não o bar da esquina ou a casa do vizinho.
Tinha chegado ao mundo das caras familiares, onde cada olhar trazia uma recordação, onde cada cheiro me fazia sentir em casa. Estavam ali para dizer, em palavras brilhantes de sorrisos e abraços, que há coisas que nunca mudam, felizmente. E enquanto os abracei um a um, num gesto emocionado de quem sabe que acabou, quis parar tudo, olhar para cima e dizer: obrigada. Não sei porque tive sempre tanta sorte, não sei porque foi sempre tudo tão especial, não sei explicar este movimento de vai e vem que me faz acordar a cada dia e pensar “vale a pena”.

02 marzo 2007

casa comigo.

E existem pessoas assim: que entram na nossa vida e teimam em não querer sair. Que nos conquistam aos poucos com dotes culinários, com árvores de natal, abraços e palavras sussurradas ao ouvido.
Existem pessoas assim, que com o seu jeitinho rabugento e ilusoriamente perfeito, com o seu olhar arregalado e uns quilinhos a mais tornam-se parte de nós.
Quando olho para trás e penso como tudo foi bom, penso também o quão inconcebível seria sem noites de não fazer nada numa sauna cheia de fumaça; sem os jogos no quarto do italiano, sem os passeios nas tardes de domingo. Imagino o quanto seria diferente sem alguém que soubesse de cor o horário dos trams, sem alguém que no dia seguinte aparecesse em minha casa e dissesse: “para que tanto?”.
E porque fomos mais do que amigos.
Como olhar para trás e imaginar-me sem alguém que reclamasse das minhas birras, que cuidasse de mim em noites descontroladas, que me abraçasse e dissesse: “ele não te merecia”.
Foste família.
E às vezes, à noite, antes de dormir, quando olhava para a minha mesinha de cabeceira cheia de presentes e recordações, fechava os olhos e agradecia por ter tido a sorte de ser acolhida neste mundo onde as tábuas de cortar salame têm cogumelos desenhados, onde a sala tem um tapete e o frigorifico está ao contrário.
E quem esteve sempre presente? Em cada lágrima derramada, em cada limoncelo, em cada viagem? Em cada “lets drink to that”, em cada “coniglio gigante”, em cada noite de dissertação sobre a flexibilidade? E quem é que me tirou de casa nos dias de absoluta tristeza, quem é que acordou de madrugada abraçou-me e disse: “foste a minha melhor amiga”?
E as lágrimas que caem parecem poucas para explicar a felicidade de te ver na web-cam, o brilho dos meus olhos sempre que falo de ti, o quanto eu tremo só de pensar que nunca mais vou poder esquecer-me das luvas em casa e saber que posso usar as tuas (que agora estão furadas).
Foi um tesão.
“se non ci fosse torino, non ci sarebbe l’italia, se non ci fossel’italia, torino ci sarebbe lo stesso” e se vocês não existissem nao existiria torino, e se não existisse torino, a vida não teria a menor graça.
Casa comigo?!

01 marzo 2007

acessórios da tristeza

Queria saber escrever a perfeição. Queria poder explicar racionalmente os meus olhos inchados, as minhas olheiras e o rio de lágrimas que se precipita dos meus olhos aguadamente verdes.
Queria saber transparecer felicidade pelo tempo que passou, alegria pelos momentos inesquecíveis, sorrisos por voltar a casa. Queria aproveitar os cheiros, os perfumes, queria embebedar-me em sabores, em imagens, em palavras, em conceitos. Queria dizer o que ainda não tinha dito, explicar o que faltava esclarecer.
Queria, queria, queria…
Mas o dia tão precocemente planejado adivinhava-se difícil, e os lenços de papel tornavam-se meus companheiros de aventuras, meus confidentes de choro engolido, meus aliados em sofrimento descabido.
E dizer adeus, um a um, tornava-se insuportável.
As lágrimas, os sons, as palavras convertiam-se apenas em acessórios da tristeza e os abraços, os olhares, os carinhos e os gestos faziam-me ter, cada vez mais, a certeza.
A certeza de que tudo valeu a pena, a certeza de que nada tem um fim absoluto, de que vida mudou de página e que o livro não tem barreiras.
E a questão insiste em querer surgir.
Foi um acto ou um entreacto?

guerra

“Il ritorno di una guerra è sempre difficile. È difficile raccontare e, ogni cosa, nel paesaggio ritrovato, sembra più piccola e modesta, e le occupazione quotidiane e le nuove passione che intanto hanno preso gli altri, ti fanno sentire straniero, o forse soltanto strano. E, le lezione che conserve nella tasca, come un biglietto di ritorno usato - la lezione che ti ricorda che le guerre non sono mai come le aspetti, non rientrano mai nei modi ordinati di vedere il mondo, catalogarlo, ripeterlo in pagine uguali all’infinito – è una lezione solitaria, un album personale, come un diario di viaggio.”

“O regresso de una guerra é sempre difícil. É difícil contar o que se passou e, cada coisa, na paisagem revista, parece menor e mais modesta e, as ocupações quotidianas e novas paixões que entretanto os outros descobriram, fazem-te sentir estrangeiro, ou talvez, apenas estranho. E, as lições que trazemos connosco, como um bilhete de volta usado – a lição que te lembra que as guerras não são nunca como os aspectos concretos, não se incluem nunca em modos ordenados de ver o mundo, cataloga-lo, repeti-lo em paginas iguais até ao infinito – é uma lição solitária, um álbum pessoal, como um diário de viagem.”

in, Il braccio legatto indietro alla schieda, storie dei giornaliste in guerra, Mimmo Cándito.