Culpemos o mundo.
A sociedade é feita destas coisas. Este conceito agradavelmente abstracto fica sempre bem numa frase erudita, numa conversa de café à beira-mar.
A sociedade.
Esta massa de pessoas, cultura, hábitos. Esta coisa que por ser impalpável é tão útil e tão tranquilizadora
Culpemos a sociedade.
Todos já acordaram um dia e sentiram não pertencer àquele mundo. Todos já se sentiram deslocados numa conversa, excluídos numa sala de aula ou num encontro de amigos.
Sou um esquilo.
Os esquilos são rápidos e egoístas. Eles vivem de bolotas e de nozes (que fazem tão bem aos intestinos) e camuflam a sua beleza por trás daquela cauda longa e peluda. Os esquilos lá no fundo são anti-sociais. Eles não gostam muito de sair de casa e preferem preguiçar na sua cama recheada de bolotas ou refugiar-se no mundo dos livros onde os animais realmente têm problemas, onde morrem e onde amam, onde adoecem e onde se apaixonam (desculpem a redundância).
Os esquilos não têm sociedade mas culpam-na de qualquer maneira. Gostam do charme da palavra. Da complexidade da sua composição. Lembra a palavra idade e isso fá-los sentir mais velhos e mais sábios (não primam pela inteligência estes esquilos).
Os esquilos quando se sentem excluídos das conversas ou mesmo quando participam activamente nelas (desculpem, hoje não é um bom dia. Tenho sido demasiadamente redundante) fazem puzzles mentais. É verdade. Todos sempre quiseram saber em que pensam os esquilos quando, com olhos de azeitona, olham fixamente para um ponto com aquela cara mecanicamente ensinada desde a infância a dizer: estou profundamente interessada no assunto. Eles brincam distraidamente com palavras. Descobrem novas descrições, metáforas, adjectivações, anotam mentalmente novas ideias e põe-lhe um post-it que diz: lembrar de usa-la no futuro. Normalmente é de noite, quando já acabaram as bolotas e a cama cheia de cascas torna-se incomodamente desagradável, que os esquilos reviram os arquivos mentais em busca de pos-its interessantes nos quais se possam aventurar horas a fio até ao sono chegar.
Mas a verdade é que ninguém gosta dos esquilos. Foram confinados a uma gaiola lateral e sovinamente mínima, num canto esquecido do jardim zoológico.
Eles também não gostam deles próprios. Costumam falar de si na terceira pessoa. Malditos esquilos.
A culpa é da sociedade.
Talvez eu seja uma espécie diferente de esquilo. Sempre achei que a minha cauda era um pouco menor e mais tosca do que a dos esquilos de excelência.
Se pelo menos os esquilos tivessem um sindicato.
Suscribirse a:
Enviar comentarios (Atom)
1 comentario:
já percebi que os teus textos puxam para a critica social surrealista. very nice...very nice indeed...
Publicar un comentario