30 abril 2007

ácaros sociais

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Alma angustiada aos tropeções entre o “se” e o ponto de interrogação.
Impossível descrever como tudo poderia ter sido diferente. Como uma pequena, desprezível, insignificantemente ignóbil palavra, pode traçar um caminho, definir um destino.
Aqui a palavra de ordem é a auto-destruição.
Acontece.
Há pessoas que gostam de sorrir e aceitar as oportunidades. Há pessoas que vivem os momentos e não pensam no futuro. E depois, há (e passo o plágio) os ácaros sociais.
Aquelas pessoas que gostam de sofrer e passar noites em claro, que adoram problemas e dores de barriga, que preferiam sempre ter escolhido o outro caminho. Ácaros que nunca serão felizes porque nunca saberão dizer se fizeram a escolha certa. Fungos sociais que não acrescentam valor à humanidade, mas empatam-na, fazem-na gerar pessoas frustradas e corriqueiramente normais.
Infelizes e ignorantes essas pessoas, que quando assaltadas por dúvidas, escolhem sempre o caminho mais fácil. Julgam poder proteger-se do mundo exterior, colocar-se por baixo do edredão e esperar que a iniciativa seja tomada por outrem. Pessoas indecisas que tentam racionalizar o mundo, que se sentem superiores e menosprezam o sentimento alheio.
Coitadas.
Auto-destruição finalizada com sucesso.

29 abril 2007

Nem um beijinho

Cresce.
Sai do teu mundo de príncipes e princesas, de cavalos e flores que falam, de amores eternos e corações com asas.
Pára de te esconder no teu ar de criança mimada. Sai da casca, parte-a, rebela-te e assume-te.
Tu não és perfeita.
Aprende a errar a cair e a sangrar. Tropeça, esfola-te, chora enquanto puderes.
Porque crescer não é cortar o cabelo e ganhar um ar mais velho, não é ter um emprego e cumprimentar as pessoas com um aperto de mão.
É encarar riscos, assumir decisões.
E não podes voltar atrás.
Dói-me a barriga e o corpo não me deixa sair da cama. Escondo-me por baixo dos lençóis, e deixo-me levar pela postura amorfa de poucas horas de sono. Os pensamentos superam as 24 imagens por segundo, e insistem em repetir a mesma cena. Vezes e vezes sem conta.
Afinal, ontem foste-te embora e não te despediste.
Nem um beijinho. Daqueles barulhentos que tu das.

27 abril 2007

rotas (pré)definidas

Pensar dói e faz formigas no cérebro.
Os pensamentos são boomerangs viciados, de rotas definidas. Eles devastam a razão numa batalha sangrenta de feridos e conquistas. Eles mexem com a cabeça e fazem-na girar até surgirem furacões gigantes que varrem as ideias e implantam o sossego.
Os pensamentos confundem.
O corpo treme e barriga geme de dias de jejum distraído. A unha parte e a folha cai. O mundo concentra-se em nós. Não o podemos desiludir. Ri-te, fala, articula. Não rias demais, faz uma pausa no momento certo, mostra confiança. Não, não tanto.
Respira. Pára. Acalma-te. Sorri.
OK: O mundo é teu.

26 abril 2007

Situações complicadas (muito)

Hoje tinha monstros na cama. Eles comeram-me o sono.
Vira, rola, remexe, ajeita. Muda de lado, sente calor, levanta, senta, roda.
Os monstros têm caras e elas são aterrorizadoramente familiares. Não assustam mas fazem tremer. E, se tentarmos fugir, partem a mobília antiga.
É melhor ter cuidado.
Rompem, sem avisar, a pacatez da madrugada. Invadem-nos o pijama e despenteiam-nos os cabelos.
Chegam, assim, com um ar confiante, de quem vai dominar o mundo. Preferem os discursos decorados de horas de olhar fixo na parede branca. E, no fim, deixam-se ficar.
Ficam porque os convidamos para um gelado nos dias de sol, porque sorrimos sempre que vemos o seu nome na lista de contactos, porque conversamos sobre pirilampos quando o assunto se torna constrangedor.
Ficam porque se criam códigos de conduta. Todos sabem que não se fala de coisas sérias durante o dia, que não se chora de pé e que quando temos vergonha escondemo-nos por trás da, outrora vasta, cabeleira. São regras, não é preciso explica-las.
Vão acomodando-se na nossa rotina e confundem-nos os sentimentos.
Sai, monstro assustador, fica.
Mas estes bichinhos malditos fazem perguntas e exigem respostas.
Frases de poder mágicos que fazem ping-pong na nossa cabeça e misturam as listas de prós e contras (que tinha dado tanto trabalho a fazer)
São momentos soltos de sentimentos e impulsos. Instantes torturantes de sono acordado onde a cada ideia uma imagem, a cada imagem uma sensação. Chora, ri, faz ou fica?
Eu sempre soube que não deveria dormir com as meias calçadas.

23 abril 2007

vícios

Acordar e sentir a cama preenchida, espreguiçar sorrisos e esmagar a almofada de felicidade. Dançar e cantar melodias foleiras.
Suspirar e corar a cada lembrança, a cada recordação, a cada vibrar da mesinha de cabeceira. Ter a certeza de que sim e de que muito, de que profundamente e absolutamente estamos a fazer a coisa certa.
Saber que cada pensamento é correspondido e que o silêncio é acolhedor quando vivido a dois num eterno acarinhar de narizes.
O roçar da barba faz piquinhos e arrepios, os beijinhos são silenciosos porque não se pode fazer barulho no cinema. E às vezes, sem mais nem menos, uma mão encontra a outra. Aperta-a, quase cortando a circulação, e diz, em forma de acto, que aquilo é de verdade. Belisca-me, não parece real.
“O amor não é o vício”, diz Chico Buarque, pois eu acho que sim.

21 abril 2007

?

Um ponto de interrogação.
Um silêncio.
Olhos escondidos por óculos de sol e um pensamento que voa sem ninguém dar por ele.
Perigosos os pensamentos.
São invisíveis e mudos. São surdos a influências externas. São nossos e são fatais.
Lá no fundo os pensamentos são rebeldes. Eles insistem em querer mostrar-se, exibir-se, chamar a atenção. É preciso muita auto-disciplina para poder controlá-los.
As ideias são como troféus que queremos partilhar, que exibimos na estante do quarto e lustramos todas as semanas no dia das limpezas.
Mas existem aquelas pessoas, sábias e perturbadas, que conhecem a natureza controversa dos seus pensamentos, que sabem que eles se vestem de preto, que compram armas no super mercado e que podem ser letais para a vida humana.
São pessoas de olhares e de momentos. Temos de saber captá-los e interpreta-los com a
sapiência de quem descobre uma fuga, uma saída, uma luz.
São tiros de trauma e frustração, de dias despercebidos, de noites em claro com pensamentos impróprios. São balas de perguntas sem respostas e momentos onde tudo é ignorado, onde somos uma sombra no escuro, uma mancha na roupa camuflada.
E no final, quando o barulho acaba, o fumo entra pelos ouvidos. Os olhos fotografam a paisagem de corpos minuciosamente alinhados. O cérebro tenta recordar-se de uma resposta que dê sentido a tudo aquilo. Mas, no final, a única coisa que sobrevive ao naufrágio das ideias é um simples e pequeno pondo te interrogação escrito a lápis na folha das presenças.

19 abril 2007

uma dor fraquinha

Estranhas as pessoas.
Elas entram e saem do nosso pensamento a uma velocidade alucinante. Elas ficam e fogem da nossa vista sem que possamos dar por isso. Elas sobrevivem graças a mensagens electrónicas, cartões postais na caixa do correio. Elas transformam-se em imagens, memórias, pensamentos.
São luzes laranja a piscar no fundo do ecrã do computador, fotografias de noites passadas, textos em blogs de línguas interditas.
As pessoas são feitas de matéria maleável e transparente que se transforma em bilhetes de avião e em chamadas telefónicas (algumas que nunca chegam a acontecer). Existem também aquelas pessoas que têm o poder de se abstrair da existência carnal e tornar-se promessas não cumpridas, frases ditas ao acaso, situações constrangedoras. Perturbadoras essas pessoas.
A verdade é que ninguém sai realmente da nossa vida. Ficam as referências, as fotografias (molhadas de lágrimas salgadas), as tardes de gelado e jardins.
Às vezes sinto um choque no meu cérebro, um relâmpago electromagnético que treme e arrepia. Nesse momento tenho a certeza que algo se apagou. O cheiro do teu perfume, aquela palavra especial dita entre abraços e lágrimas, o olhar que tu me fazias quando ria por tudo e por nada, quando te levava a sítios desconhecidos. Tu cantavas para mim.
Agora já não me lembro das tuas mãos nem da marca dos teus cigarros. Não me lembro do nome da tua rua, nem da tua bebida preferida.
Mas a cada pensamento uma recordação. A cada conversa um flash-back que dói fraquinho e deixa marca. Uma pequena cicatriz que diz, daquele teu jeito meio atabalhoado, que passaste por cá.
Agora lembrei-me. Tu roías as unhas.

16 abril 2007

tu

A ausência dói e incha os olhos. Ela arde fundo nas pupilas e faz com que os pés fiquem gelados. O corpo treme e o sorriso não obedece.
Fica.
O vazio causa dúvidas e dá angustia, ele brinca com os sentimentos e torna tudo tão opaco.
Diz-me que isto não é real.
E quando toda a informação é, finalmente, processada, o estômago embrulha-se, a cabeça dói e as lágrimas caem em cascata, qual fonte luminosa a transbordar.
A mente é invadida por lembranças. Noites de mimos e comidas proibidas, passeios eternos e brincadeiras escondidas.
Lembras-te que foi contigo que conduzi pela primeira vez? Esboço um leve sorriso enquanto a minha cabeça é invadida pela imagem dele a gritar e a sair do carro, a dizer que ia a pé para casa. E vocês gargalhavam de lágrimas e dores de barriga.
Que bela recordação. Oxalá as lágrimas fossem todas assim.
E há tantas coisas que ficaram por dizer. O ser humano é tão imperfeito nas suas pretensões de agarrar o mundo. Ninguém consegue, e tu, a tentar caíste. Acontece.
Mas agora sei que queria que tivesses ficado. Para te dizer que …
Mas já é tarde e tu já foste.
Sem avisar.

14 abril 2007

um sentido

Há dias em que chegamos a casa, deitamo-nos na cama, ainda desarrumada das remelas matinais, e cerramos as pálpebras.
As gotas que escorrem das pontas dos olhos não são sempre significativas. O importante é que, enquanto a lágrima salgada marca o percurso no nosso rosto, um pedaço de pele se torna mais profundo e flácido, mais denso e amarrotado. São rugas de sentimentos sem razão, de dias sem porquê, de tardes de sol debaixo de cobertores.
A todos já aconteceu chegar um dia do trabalho ou da universidade, do café ou do cinema e pensar, “isto não tem sentido”.
Pensar que a vida corre descontroladamente, que as rédeas estão enroladas em um ponto qualquer, que o mundo é surdo e que, por mais que lhe gritemos, ele continua, inerte, com o seu sorriso esboçado de quem gosta de troçar connosco.
Concluir que nada do que fazemos é suficientemente profundo, suficientemente inteligente, suficientemente bom, suficientemente sincero. E por que teria de ser?
Mas as expectativas são altas, a pressão se intensifica e o olhar de desilusão corta e faz ferida. Não me quero lembrar. Sai daqui, malévola recordação.
Vem, leva-me, resgata-me, tira-me, faz com um telefonema seja pleno, com que as promoções tenham uso, com que as novidades tenham destinatário.
Revela-te, descobre-me, sai desse mundo de véus e fantasmas, dessa casa do além, desse jeito inatingível. Torna-te humano e faz-me chegar a casa, deitar-me e, finalmente, sorrir.

12 abril 2007

pico

“Cabe-te a ti descobrir” disseram-me certa vez.
Lá fui eu, entre redes e cordões, páginas e cliques, aventurar-me nas palavras. O papel faz cortes fininhos nos dedos, o peso dos livros rasga as mochilas e dá dores nas costas. Os dicionários estão cheios de palavras proibidas e agora até se pode dizer “bué”.
Mas a questão centra-se à volta de outra palavra. Aquela palavra de significados dúbios e do jogo dos acertos; a palavra que pode cortar e também pode crescer. Que pode magoar ou pesar mais de 61 quilos.
Talvez tudo seja somente uma insinuação à dieta semestral de massas e chocolates. Talvez ele tenha um super-poder especial e consiga acertar as tuas medidas virtualmente. Talvez não. Gosto de pensar que os esquemas mentais humanos são mais complexos do que isso.
Pode ser que ache que sou aguda porque uso muitos ditongos abertos. Mas ninguém me pode impedir de detestar chapéus quando o céu não está nublado fazendo com que se reflicta nos papéis e me faça doer os olhos. Talvez não. Ele nunca foi muito bom com as regras gramaticais.
Quem sabe ele não encontre outra maneira de me dizer que tenho espinhos, que magoo, que pareço uma coisa e a cada dia, a cada aproximação, aparece mais um bico ácido que espeta e fica. Talvez não.
E se ele quiser apenas dizer que sou ácida, que tenho um gosto amargo, que o meu travo é desagradável e que apetece cuspir? Talvez não.
Mas se ele estiver a dizer que sou picante. Nesse caso temos problemas. Eu sei que não ardo na boca e que não domino os outros sentidos. Sei que não faço os olhos ficarem vermelhos nem a minha proximidade pede pão e leite. Não. Isso não poderia ser, ele está de dieta.
Talvez eu seja apenas mais um peso chinês na sua vida, ou um maço de carvalho para dosear as cores. Talvez não.
Talvez ele se tenha enganado e quisesse dizer outra coisa. Talvez falte uma letra e tudo tenha uma nova explicação.
Mas talvez, e só talvez, eu seja “algo mais”. Gosto dos advérbios populares.

fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx

10 abril 2007

derrepentes

E as coisas acontecem assim, de repente.
(lembro-me de como a “palavra” que tinha mais dificuldade em escrever quando era pequena era derrpente. “Se nunca se usa repente sem de, porque é que elas não são pegadas?” Perguntava revoltada com os seus 56 erros no ditado).
É derrepente que se compra um bilhete e se vai, sem rumo, para um país estranho. Um derrepente de sotaque duvidoso e com um brilho de abraço interminável no aeroporto; um derrepente de noites acordadas a conversar no escuro e de gatos que dormem connosco na cama. São estes derrepentes que nos fazem sorrir quando viajamos pela nossa memória de tardes em jardins luminosos, de noites de cocktails de fruta, de crepes com ovos estragados e pedidos de casamento nos táxis de 8 euros.
É também derrepente que temos flashbacks de cenas do passado e que nos lembramos de como a memória é traiçoeira e guarda somente as coisas boas. É em instantes que voltamos a experimentar aquela sensação de angústia, que se segue de uma irritação maldita que nos chega a coçar o corpo e fazer sangue com as unhas. Que penetra nas entranhas e nos faz ter arrepios de impaciência. Mas são apenas instantes.
Os derrepentes que me perseguem e que insistem em deixar marca.
Reencontrar um amigo. Procurar um alguém que derrepente nos faça sentir menos igual e mais repentinamente especial.

04 abril 2007

essa tal palavra

Enquanto arrumava os livros no armário e tentava, de modo engenhoso, fazer lugar para mais um volume na minha espaçosa colecção, deixei o pensamento voar em dissertações.
Se um espaço está vazio, significa que “está por preencher”, se a barriga está vazia, significa que “precisa de comer”, se o copo está vazio, significa que “está a espera de ser enchido”, se uma pessoa está vazia, ela tem algum problema.
Criaram-se profissões, cursos, diplomas, especialistas e fizeram-se fortunas à volta do assunto. Os amigos e os familiares foram substituídos por remédios e terapias. Os rituais e gestos formam agora lembranças ineficazes do passado.
Há pessoas que passam pela nossa vida e deixam vácuos, buracos, ausências. Essas pessoas são gentis, carinhosas, divertidas e respiram demais. Elas têm a capacidade de fazer desaparecer o oxigénio. O peito torna-se apertado e passamos a ter dificuldade em respirar, ficamos estupefactos olhando para aquela figura que sufoca a nossa bolha de atmosfera e torna tudo em redor absolutamente abafado. E depois, existem os sanguessugas de oxigénio, passo o erro científico (e viva a liberdade poética). Mesmo quando não estão por perto, estão presentes. Estão ali, na roupa lavada sobre a cama de edredão verde, nos chinelos esquecidos no meio do quarto desarrumado, na lenha que estala na lareira, no barulho que geme do vizinho. Para onde quer que tentemos fugir, lá estão eles, com a sua lealdade; maldita e cúmplice lealdade inabalável.
E os espaços vazios da nossa vida vão aumentando. Vamos dando-lhes nomes e preenchendo-os com palavras e explicações. Vamos mascarando-os com sorrisos e gargalhadas. O vazio é escuro. É preto e profundo.
Ele gosta da noite e do molengar na cama. É companheiro do silêncio e das músicas calmas. Reflecte-se nos olhos e é expelido pelas lágrimas. Dizem que a água limpa o vazio. Eu digo que a água deixa o vazio mais turvo, mais manchado, mais debilitado.
A água mascara a ausência, assim como os novos amigos, um perfume novo, uma boa comida e um telefonema inesperado. Mas a cada momento camuflado, a cada risada forçada, o vazio vai ganhando a batalha e alargando-se, empestando o nosso corpo de espaços despojados de calor e sentimento.
E a cada fechar de olhos, lá esta ele de novo. A tal palavra que escuso de repetir.
Já foi dita e redita 7 vezes neste texto. Não admira que nunca venha a ser uma escritora de verdade. Que falta de imaginação (e diversidade vocabular).

01 abril 2007

cabeça prolixa

Eu falo sozinha. Eu falo muitas vezes sozinha. Eu falo descontrolada e compulsivamente sozinha.
Sempre achei que tivesse um problema. Mas não.
Uma vez conversava com um amigo. Ele é daquelas pessoas estranhamente especiais que só se conhecem em circunstâncias ridiculamente caricatas e com quem só se tem conversas absurdamente divertidas.
Chega de advérbios de modo. Voltemos ao meu amigo.
Nesse dia, enquanto me tentava convencer que jantasse em sua casa, explicava-me que estar consigo significava nunca estar triste. Não porque ele fosse uma pessoa extremamente optimista e hilariante mas porque não precisava de mais nada para se divertir, somente dele próprio. Era com ele mesmo que conversava e com quem ria horas a fio. Era ele o seu confidente e companheiro. Ele era a sua melhor companhia.
Esquizofrénico, talvez. Autista, sim.
Às oito horas em ponto toquei à sua porta com uma sobremesa na mão. Ele recebeu-me com um sorriso. Como sempre.
Mas o que fazer quando o nosso “eu interior” não tem a sorte de ser divertido e companheiro como o do meu amigo? O que fazer quando não existem momentos de silêncio; quando temos uma cabeça prolixa que nunca fica rouca?
As minhas conversas passam-se numa língua neutra que oscila frequentemente entre sotaques e referências, que se atrapalha com nós mentais que precisam ser expressados.
A minha cabeça não diverte, confunde.
Misturam-se as ideias e entrelaçam-se as histórias. Os heróis aparecem em cenas utópicas de sonho e fantasia. As palavras têm gostos e sentimentos, têm humor e sensações.
A minha cabeça vicia. Ela é possessiva e egocêntrica. Quando teima em falar, abafa as vozes alheias, desliga o rádio, acaba com a música, dispersa o olhar de amigos monótonos. Monopoliza o corpo e pensa, pensa, fala, fala.
Perguntam-me como consigo viver no silêncio.
E eu respondo. Tivessem vocês a minha cabeça, compreenderiam.